Folha de S. Paulo


Jovem de periferia de SP vai a Manaus para fabricar instrumentos musicais

Com oito anos, Douglas Oliveira Nóbrega, se apaixonou por violoncelos. O pai só permitiu que tocasse violino, um instrumento menor e mais adequado ao filho pequeno.

Com 15, o jovem se aventurou a estudar música viajando uma hora de ônibus da periferia de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, onde vivia, até o centro da capital paulista.

Gastava os R$ 400 a bolsa de estudos que recebia com a passagem e as parcelas do instrumento, que custou R$ 7.000. Chegou a tocar em cinco orquestras ao mesmo tempo, dentre elas a de Heliópolis, considerada uma das melhores do país.

Seu primeiro trabalho profissional, porém, foi a mais de 3.000 km, em Manaus, na Orquestra Amazonas Filarmônica.

Agora com 32 anos, além de viver da música, realizou outro sonho: se formou luthier, profissional que constrói instrumentos musicais na primeira turma da Oficina Escola de Lutheria da Amazônia, realizada em parceria com a Fundação Banco do Brasil.

Leia seu depoimento à Folha.

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Nasci em Guarulhos e me interessei por música ainda muito novo. Minha paixão pelo violino foi um acaso, um caminho de Deus.

Meu pai é motorista e toca trompete na igreja que frequentamos. Quando eu tinha oito anos, ele me levou para o ensaio regional que reuniu as 108 congregações da cidade, mais de 800 músicos.

Fiquei ao lado dos violoncelos, maiores que eu. Achei tão bonito e cismei que queria tocar.

Meu pai disse: 'Filho, esse instrumento é só pra quem é grande. Você pode começar com um violino, que é menor, e quando crescer, toca violoncelo'. Como eu não cresci, tenho só 1,65m, continuo no violino até hoje, né?!

Aos 15 anos, fui fazer um curso de extensão na Universidade Livre de Música, que hoje se chama Emesp (Escola de Música do Estado de São Paulo).

Em 2003, participei da primeira formação da Orquestra Jovem Tom Jobim. Levava uma hora e vinte minutos para chegar até o centro de São Paulo.

Fui estudar no Instituto Baccarelli e tocava na orquestra de Heliópolis. Depois, ingressei na Orquestra Experimental de Repertório, mantida pelo Theatro Municipal de São Paulo. Teve uma época em que eu tocava em cinco ao mesmo tempo.

Usava um violino simples, de fábrica. Meu professor pediu que eu procurasse um luthier, precisava de um feito à mão.

Quando entrei num ateliê, fiquei impressionado com toda a arte, a engenharia, a física que engloba a fabricação do instrumento. Como a pessoa pega um pedaço de madeira e constrói algo que faz um som tão belo? É uma técnica de 300 anos –que desde então pouco mudou.

Gastei, por um ano, minha bolsa de estudo, na época de R$ 400, para pagar as passagens e o violino, que custou R$ 7.000.

É uma tradição de família, sabe? Meu irmão mais novo também toca na igreja, mas flauta transversal. Minha mãe pedia para eu levar ele para aula de música, na casa de um irmão da igreja, e assistindo as aulas dele, eu aprendi. Minha mãe é dona de casa, mas canta os louvores na igreja.

Na congregação aqui em Manaus, sou o líder do louvor, o professor de música encarregado pela orquestra.

Isso desde 2007, quando fui aprovado pela Orquestra Amazonas Filarmônica. Esse foi meu primeiro trabalho como profissional.

Quando eu cheguei fazíamos quatro óperas no Festival Amazônia de Ópera, o mais importante da América Latina, hoje fazemos uma só. Efeito da crise, né?

Conheci minha mulher em Guarulhos. Ela é fisioterapeuta, mas toca órgão na igreja. Namoramos dois anos à distância. Em 2010 nos casamos e ela veio morar aqui comigo. Foi a música que nos apresentou, eu tocava em festas organizadas pelo pai dela.

Mas sempre tive o desejo de fazer meu próprio instrumento. Aqui, consegui fazer o curso da Oficina Escola de Lutheria da Amazônia. Hoje, sou um luthier formado e já fiz meu primeiro violino.

Agora penso em construir e vender instrumentos, trabalhar com restauração, manutenção. Meu apartamento de 49m², longe do centro da cidade, não permite, mas estou buscando um espaço. Esse é meu sonho. E está mais perto de ser realizado.


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