Folha de S. Paulo


'Nosso trabalho evidencia muito a falta de médico', diz voluntária no AM

Oftalmologista da rede pública em São Paulo, Bruna Gil Ferreira, 26, sabe das deficiências do sistema. Mas foi no Amazonas que ela descobriu uma realidade ainda mais carente.

"Aqui é uma realidade completamente diferente do que temos no hospital", afirma. "Tem bem pouco equipamento, poucos recursos e precisamos nos virar com isso."

Há um ano e meio ela é voluntária da ONG que leva óculos e atendimento oftalmológico a áreas isoladas do país, a Renovatio, finalista do Prêmio Empreendedor Social de Futuro. "Atuamos de forma efetiva na vida destes pacientes, que, de outra forma, não iam ter acesso à visão."

Leia seu depoimento à Folha.

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Eu comecei a ser voluntária na Renovatio há um ano e meio. Tudo começou pela indicação de uma amiga. Conheci o Ralf e fui solicitada para um trabalho numa favela em São Paulo. Depois, recebi um convite para vir um fim de semana para Manaus com uma equipe da Alemanha, participante da OneDollarGlass.

ESCOLHA DO LEITOR

É a segunda ação que faço no Amazonas. Aqui é uma realidade completamente diferente do que temos no hospital. Sou funcionária do SUS, mas ainda assim é diferente. Tem bem pouco equipamento, poucos recursos e precisamos nos virar com isso.

Tenho que fazer o exame mais completo que consigo. Não só ver a necessidade dos óculos, de operar catarata. Às vezes, em paciente diabético, fazemos exame de fundo de olho para tentar encaminhar e resolver outros problemas oftalmológicos.

A maioria dos pacientes que atendemos nunca foi num oftalmologista. Dos que atendi, um ou dois tiveram acesso a óculos. Alguns têm visão bem baixa e nunca tiveram acesso, nem sabem que problema têm. Nosso trabalho evidencia muito a falta de médico.

Quando chegamos a uma comunidade, fazemos a triagem e o atendimento. A partir daí, tentamos encaminhar essas pessoas com problema para acesso oftalmológico.

Como médica, vejo muita importância nesse trabalho de chegar a populações que não teriam acesso se não viéssemos. Vemos a felicidade da pessoa ao colocar os óculos, uma coisa que parece tão simples, que montamos em 30 segundos, e de repente muda a vida inteira da pessoa.

Muitas pessoas estavam excluídas da sociedade porque que não conseguiam ler nem fazer funções básicas da vida.

O caso mais impactante de todos que atendi foi o de uma menina no interior do Amazonas. Ela ficou ajudando como voluntária na ação a fazer triagem, preencher nossas fichas. No fim do dia, foi a última paciente que atendemos. Ela era filha de um pastor, que ofereceu o espaço da igreja para podermos fazer a ação. Ela me disse que o sonho dela era fazer medicina.

Quando fui avaliá-la, ela tinha um grau de hipermetropia de +8, que é um muito alto. A menina enxergava bem reduzidamente. Depois que ela colocou os óculos, disse que sempre que estudava, tinha muita dor de cabeça e não sabia o porquê. Ela disse que melhorou muito a visão depois dos óculos. Enfatizei para ela tentar medicina porque com a garra que tem, ela consegue chegar lá.

O mais importante de popularizar os óculos é levar saúde para a população. Não são só os óculos, é levar conhecimento. Eles precisam saber que têm esse direito. Atuamos de forma efetiva na vida destes pacientes, que, de outra forma, não iam ter acesso à visão.


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