Folha de S. Paulo


Terceira cidade mais pobre do AL vira referência em tecnologia na saúde

Igaci é uma pacata cidade no interior alagoano, a 150 km de Maceió, onde as deficiências do sistema público não são novidade. Melhor, não eram.

Desde que Aerton Lessa assumiu a Secretaria da Saúde do município, há pouco mais de um ano, ele tem voltado os esforços para a inovação tecnológica.

Michael Kapps, cofundador da Tá.Na.Hora e finalista do Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2016, foi pela primeira vez ao município e viu de perto o trabalho de implantação das tecnologias, inclusive do serviço de SMS oferecido por sua startup, que monitora pacientes da saúde básica.

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"Aerton é diferente dos outros secretários que conheci, já que ele não é médico. Veio da área de Tecnologia da Informação", conta.

Além da melhora já conquistada, os planos são ambiciosos. "A ideia é criar a primeira "Sala de Situação" do Nordeste –imagine a sala de controle do Star Trek, mas para saúde pública", afirma o empreendedor.

Leia seu depoimento à Folha.

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Visitei Alagoas pela primeira vez mês passado. Em vez de aproveitar as famosas praias brancas e piscinas naturais do litoral, fui diretamente para o interior conhecer uma pequena cidade do sertão nordestino: Igaci.

A cidade tem cerca de 25 mil habitantes e está a 150 km da capital, Maceió. É um lugar calmo, com ruas de terra, onde carroças se veem a todo momento, assim como pequenas fazendas repletas de cactos.

Mas o que eu, um russo-canadense, do Vale do Silício, empreendedor de tecnologia, tinha para fazer por lá?

Considerada a terceira cidade mais "pobre" de Alagoas, Igaci não tem muitos recursos, mas, ainda assim, consegue inovar na gestão de saúde, já sendo referência para o Brasil inteiro. Queria saber o que eles estavam fazendo.

Logo que cheguei, encontrei Aerton Lessa, secretário de Saúde do município. Reservado e amigável, Aerton é diferente dos outros secretários que conheci, já que ele não é médico. Veio da área de Tecnologia da Informação. Adora tecnologia e busca a gestão eficiente que ela proporciona.

Ele me contou que, ao ser nomeado, a primeira deficiência identificada foi a falta de informação sobre a saúde de sua população.

Como a maioria das prefeituras, Igaci coletava os dados de saúde usando agentes comunitários que passavam nas casas dos cidadãos e anotavam as informações de cada visita em papéis –coletar dados é obrigatório pelo Ministério da Saúde.

Não é difícil enxergar os problemas acarretados por esse método com formulários físicos. Além de ser pouco eficiente, demandava muitas horas de digitação, altos custos de impressão e com papel –incluindo aí a questão ambiental.

Além disso, pela demora de todo o processo, o secretário continuava encontrando dificuldades para entender melhor a saúde da população. Sua primeira atitude foi contratar uma empresa para fornecer tablets simples e baratos para os 74 agentes comunitários da prefeitura.

Usando um aplicativo, os agentes conseguiam digitar os dados sobre as famílias mesmo sem internet. Eles também tiravam fotos e identificavam o local usando GPS. Quando voltavam para o posto de saúde, o tablet sincronizava os dados automaticamente.

Horas de trabalho foram eliminadas assim como gastos com papel. Atualmente, o secretário e a sua equipe conseguem ver todas as informações sobre a saúde de sua população com atualizações diárias e em um só lugar: pelo computador. Onde estão gestantes e hipertensos, quais lugares têm focos do mosquito Aedes e como os agentes estão atuando, tudo isso é visível em um mapa virtual.

SEGUNDO DESAFIO

Com os dados em mãos, Aerton teve outro problema: não existiam recursos físicos suficientes para tratar a saúde de todo mundo. A solução foi trabalhar na prevenção em saúde básica, tentando eliminar os problemas antes que eles acontecessem. Mas com poucos agentes e enfermeiras –e ainda menos médicos–, o que poderia ser feito? Bom, o secretário decidiu contratar um robô.

Ele entrou em contato com a minha empresa, a Tá.Na.Hora, e nós criamos um "amigo virtual" que envia mensagens de texto sobre saúde e bem-estar. As pessoas cadastradas em nosso sistema conseguem responder as mensagens e relatar seus problemas.

Quando uma interação acontece, nosso robozinho responde automaticamente e alerta enfermeiras e agentes comunitários para a ocorrência, antes mesmo de o cidadão ir ao pronto-socorro.

Aerton, que na época já estava lançando uma campanha para reforçar a saúde da mulher, decidiu utilizar o robô, primeiramente, com as gestantes da cidade. Após o cadastro dos números de celular, elas já começaram a receber dicas e orientações sobre a gestação.

Logo depois de duas semanas do início do projeto, o robozinho alertou as enfermeiras da rede municipal sobre o desmaio de uma gestante. Em questão de minutos, a equipe médica foi até casa dela e resolveu o problema sem danos maiores para a futura mamãe e o bebê.

O projeto foi ampliado, e agora a equipe de saúde igaciense está cadastrando hipertensos e diabéticos para que também sejam monitorados pelo robô. O secretário quer que pessoas com maior risco de saúde estejam acompanhadas, e bem antes de elas ficarem doentes ou terem alguma crise.

INOVAÇÃO

A prefeitura também está testando outras ferramentas, como o aplicativo chamado Hórus Cidadão, que permite ao usuário saber qual farmácia está mais próxima da sua casa para agendar a retirada de seu medicamento.

Isso é algo essencialmente útil para doentes crônicos porque eles conseguem antever a programação de seus remédios vários meses antes, e a central de distribuição da secretaria pode organizar suas compras adequadamente.

Antes, a distribuição era manual e mensal. Com o sistema Hórus, passou a ser semanal, reduzindo desperdícios e desvios com remédios em mais de 20%.

Mesmo com os cortes de gastos, o dinheiro era insuficiente para comprar toda a medicação que a população necessitava. Para resolver, a prefeitura encontrou um consórcio de compras que reduziu em 46% os gastos com remédios. Hoje, o município já está próximo da excelência nesse segmento.

A fase agora é de implantação de prontuários eletrônicos. A ideia é criar a primeira "Sala de Situação" do Nordeste –imagine a sala de controle do Star Trek, mas para saúde pública. A coisa mais interessante que observei em Igaci nem tinha a ver com tecnologia, mas sim com a gestão de pessoas.

Aerton lutou para instalar ar condicionado em alguns postos e limpar e pintar os muros, despesas originalmente consideradas "luxuosas", supérfluas e irresponsáveis. O efeito, porém, foi sensacional. Enfermeiras, se sentindo confortáveis e valorizadas, ficaram extremamente engajadas e mais eficientes.

Além de elas sempre apresentarem sugestões de como melhorar as tecnologias em uso, amam o que fazem, e isso reflete diretamente na qualidade do atendimento. E não apenas as enfermeiras, os agentes também se sentem valorizados e querem trazer cada vez mais resultados. Às vezes, pequenos investimentos em pessoas podem causar efeitos incríveis.

Claro, Igaci ainda tem muitos problemas de saúde e essas tecnologias e modelos de gestão precisam ser expandidos e testados mais rigorosamente. Contudo, o que foi feito até agora é muito inspirador.

O próprio Aerton me disse: "A tecnologia deve tornar o atendimento mais humano, e, à medida que a gestão de saúde se torne mais eficiente, os servidores podem e devem cuidar melhor da população".

Aprendi nessa viagem que mesmo com poucos recursos é possível fazer muito para melhorar a saúde. O que precisa é gestão humanizada e necessidade de arriscar um pouco para tentar realmente inovar e fazer a diferença.


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