Folha de S. Paulo


Ex-professora desorganizada ganha a vida organizando a rotina dos outros

Ex-professora de artes do ensino fundamental, a paulistana Sheila Procópio, 42, passou 34 anos se questionando e sendo julgada sobre não conseguir dar continuidade aos seus projetos de vida.

"O interesse simplesmente desaparecia e surgiam outros", diz. Foram cinco cursos universitários incompletos e aprovação em concurso da Polícia Militar. Também não conseguia organizar sua rotina pessoal nem sua casa.

A resposta veio ao ser diagnosticada com desorganização crônica, um transtorno de comportamento, que poderia evoluir para depressão e outras doenças.

Buscou ajuda de uma terapeuta. Foi no divã que descobriu o que viria a ser sua nova profissão: "personal organizer".

Hoje, a ex-professora, que ganhava R$ 849 por mês, tornou-se uma empreendedora de sucesso e não para de ver (e fazer) seu salário subir.

Leia a seguir o depoimento de Sheila à Folha

*

Eu sempre me senti incomodada com a minha desorganização, mas eu criava defesas. Tinha resposta para tudo. Dizia que me encontrava na minha bagunça.

Quando criança, a professora me falou que eu tinha tudo para ser uma aluna nota 10 se dependesse dos meus trabalhos, mas também precisava avaliar meu caderno, que era sempre incompleto em todas as matérias.

Fiquei muito chateada e frustrada. Anos depois, prestei vestibular para pedagogia, ciências e radiologia. Começava os cursos, mas não concluía. Conforme fazia a faculdade, me dava desinteresse e não ia mais. Também passei na Polícia Militar e tentei fazer um curso de cabeleireira. Finalizei uma graduação em artes.

As pessoas começam a rotular, acham que sou relaxada, desinteressada, jogo dinheiro fora.

Isso me deixava irritada. O interesse simplesmente desaparecia e surgiam outros.

Aos 34 anos, tinha mudado de casa e nasceu minha filha caçula. Uma mudança muito grande de rotina. Eu me vi perdida.

Estava de licença maternidade da escola onde eu dava aula de artes, na zona leste de São Paulo. Passei em uma terapeuta e falei que estava irritada porque não estava conseguindo colocar minha vida em ordem.

DESORGANIZAÇÃO CRÔNICA

Eu tenho desorganização crônica, que foi diagnosticada na terapia. Não é uma doença, é uma característica, mas que leva a doenças, como depressão e acumulação crônica.

Descobri que a característica do desorganizado crônico é começar uma coisa e não terminar. Ele não consegue ajeitar sua rotina, é um improdutível. É uma pessoa que pensa muito, extremamente criativa.

Isso atrapalhou muito a minha vida. Acho que se eu soubesse antes, poderia estar melhor. Eu e minha terapeuta procuramos um modo de equilíbrio que poderia me ajudar. Traçamos pequenas metas todos os dias: arrumar cama, comer e levantar no horário certo.

Depois, ela me falou sobre um profissional que vai até a casa das pessoas e a organiza, o personal organizer.

Na mesma semana, minha irmã falou de um curso gratuito sobre o tema. Quando entrei no salão em que estava a Vanessa Gaudiano, uma personal organizer, ela falou: 'Você, que nasceu desorganizada, não precisa morrer desorganizada'.

Eu vi que era para mim. Ela falou sobre técnicas de organização, me ensinou como arrumar a casa, cozinha, quarto. Saí de lá com vontade de chegar em casa, colocar a mão na massa e colocar tudo em ordem.

Comecei a colocar tudo em prática. Minha casa começou a funcionar, a dinâmica ficou diferente com meus filhos e meu marido.

Decidi não voltar mais a dar aulas após a licença maternidade. Fui atrás de outros cursos. Já tinha um ano que trabalhava como personal organizer mas ainda não tinha uma renda considerável. Não sabia o quanto cobrar nem como divulgar o meu trabalho, só fazia entre amigos.

Percebi a necessidade de não ficar só na casa e comecei a desenvolver cursos dentro da área da organização. Pensei em públicos: mãe que trabalha ou estuda. Eu me especializei em rotinas domésticas para mãe. Depois para donas de casa surdas. Desenvolvi um curso de em libras. Também pensei em um curso para idoso.

Começou a entrar uma renda maior. Era meio que um hobby. Não tinha planejamento.

No final de 2014, meu marido, que é gerente financeiro, soube que a empresa em que ele trabalhava havia dez anos fecharia. Ele passou todo o ano de 2015 sem trabalhar.

Comecei a me preocupar. Fiquei na dúvida se investia na nova carreira ou voltava a dar aula.

Meu último salário como professora tinha sido de R$ 849, em 2010. Eu ganhava R$ 1.200 em um dia de trabalho de oito horas como personal organizer. Mas isso ainda era esporádico.

ANA PAULA PADRÃO

Um dia abri meu e-mail e a Ana Paula Padrão [apresentadora e cofundadora da Escola de Você] e a Natália Leite [cofundadora da Escola de Você] estavam lá, falando da Escola de Você. É um curso sobre autoconhecimento, empoderamento e empreendedorismo para mulheres. Eram só cinco minutos [de vídeo-aulas] por dia e algumas perguntas.

Fiz a inscrição gratuita. Comecei a fazer as aulas, era dinâmico, queria mais. Fui até o fim. Recebi um e-mail sobre um novo projeto da Escola Brilhante, que era para empreendedoras, em São Paulo, em parceria com a Aliança Empreendedora.

Fiz minha inscrição e fiquei entre as dez selecionadas. Foi uma festa. Recebi mentoria de marketing e administração financeira. Fizemos os cálculos da minha empresa e uma professora disse que eu estava roubando o meu negócio. Isso me marcou demais.

Fui uma das três premiadas, ganhei R$ 7.000 em investimento para a empresa e várias mentorias para alavancar o negócio

O curso começou em novembro de 2015. Desde 1º de abril deste ano, quando ganhei o prêmio, muita coisa já mudou. Primeiro, a parte da estrutura. Hoje, tenho metas de quantos clientes quero atender por semana, um ou dois, e fazer palestra todo fim de semana.

Fiz outros cursos buscando o que tinha aprendido dentro da Escola Brilhante. Estou patenteando uma marca, com a qual vou ensinar mães a como ter uma rotina doméstica, técnicas de organização direcionadas para crianças e como ensinar os filhos a serem organizados.

Desenvolvi uma linha de organizadores para closet e uma de aromatizadores. Aprendi como divulgar minha página na internet, a Sheila Procópio Organizer.

Agora dou palestra no Brasil. Vou para Portugal em dezembro para fazer meu primeiro curso fora.

Eu esperava muito o reconhecimento do meu marido como profissional. Quando ele me parabenizou, fiquei muito feliz. Hoje, ele tem trabalhado comigo. Elaboramos um produto e começamos a oferecer um serviço de organização financeira para pessoa física e jurídica.

Eu descobri que por meio da organização podemos simplificar a vida. Uma vida organizada é menos estressante e mais produtiva.

ORGANIZANDO O CONSULADO

Ganhei um quadro na TV Novo Tempo, falando sobre organização para donas de casa. Em um grupo de WhatsApp divulguei meu trabalho. Lá, estava a Alexandra Loras [ex-consulesa da França em São Paulo]. Ela disse que precisava de mim na vida dela. Eu não sabia quem era ela [risos].

Entrei em contato, e então soube que era a consulesa da França e que gostaria que eu fosse organizar a residência consular. Ajeitei a parte de closet, ensinei algumas técnicas de organização e ajudei no processo da mudança quando ela deixou a residência consular.

CARRO POTENTE

Hoje, eu me sinto empoderada. O meu empoderamento veio pela questão profissional. Ele vem quando a mulher tem autoconfiança para fazer aquilo que quer fazer. Quando se tem essa segurança, de saber que é capaz, a mulher busca e faz.

Eu me sentia um carro muito potente, mas na garagem. O empoderamento não é só o carro, é estar na estrada com a chave na mão e ir para onde quiser.


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