Folha de S. Paulo


'Não é só ganhar, é ajudar o próximo', diz costureira que faz cobertor popular

Djenane Martins, 43, era obesa e, segundo ela, "todo mundo achava que seu caminho era a morte". A virada na sua vida aconteceu quando começou a trabalhar no grupo de costureiras Charlotte Arte em Costura, localizado em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.

"Nós somos uma família. Trabalhamos a semana toda, mas a gente está sempre junto, sai, passeia."

Na Lata
Djenane Martins (embaixo) e costureiras da Charlotte, cooperativa de costura que trabalha com a Retalhar
Djenane Martins (embaixo) e costureiras da Charlotte, cooperativa que trabalha com a Retalhar

Um dos principais clientes do coletivo é a Retalhar, negócio social que soluciona a questão da logística reversa de uniformes profissionais, transformando em brindes de empresas e em cobertores que aquecem moradores de rua, entre outros produtos.

Por esse trabalho, seus fundadores Jonas Lessa, 25, e Lucas Corvacho, 28, estão concorrendo ao Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2016. Eles também disputam a categoria Escolha do Leitor, que está com votação aberta; participe.

Há dois anos, Djenane foi apresentada ao trabalho da Retalhar, uma parceria que enche de orgulho as costureiras. "É muito gratificante saber que a gente está ajudando, que esse material não está sendo descartado de forma irregular."

Ela também fica contente com a evolução do negócio social. "Tem cliente e tem cliente parceiro porque a Retalhar poderia estar crescendo sozinha, mas não, ela está levando os grupos com ela."

Leia seu depoimento à Folha

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Nós somos o grupo Charlotte Arte em Costura, um empreendimento de economia solidária de São Bernardo do Campo, e trabalhamos com logística reversa, produzindo brindes com banner e caixas longa vida, por exemplo.

A gente tem quatro costureiras fixas e, quando pega alguma produção maior, tem os freelancers que nos ajudam.

Charlotte significa renascimento, sonho, conquista, autoestima. O nosso sonho se tornou realidade. A gente queria apenas uma oficina de costura, e hoje eu não consigo me ver fora daqui.

Nós somos uma família. Trabalhamos a semana toda, mas gente está sempre junto, sai, passeia.

Isso aqui é tudo na minha vida. É o meu reconhecimento e o meu renascimento, porque todo mundo achava que meu caminho era a morte por causa da gordura.

Depois da Charlotte, eu emagreci, me tornei a Dejanane, uma mulher empreendedora, uma ótima vendedora e representante de várias cooperativas. Isso para mim não tem preço.

RETALHOS

Descobrimos a Retalhar, quando a gente foi convidada pela ITCP-FGV (Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Fundação Getúlio Vargas) para conhecer um rapaz que queria transformar uns retalhos em produtos.

Eu e outra costureira do grupo fomos lá para São Paulo encontrar um rapaz alto, magro [Lucas]. Ele sentou lá, com duas sacolinhas de plástico e falou que gostaria que a gente transformasse aquilo numa sacola. Eram vários retalhinhos.

A gente se olhou e falou que ia topar o desafio. Trouxemos o material e transformamos na sacola que são vários pedacinhos de retalho. A partir dali, tenho Lucas como se fosse meu filho. Além de cliente, parceiro, é como se fosse alguém da minha família porque já está há tanto tempo com a gente e tem esse carinho com a Charlotte.

Uma coisa que ele fala é que nunca se preocupa se a Charlotte vai dar conta. Tem reconhecimento melhor para um grupo do que isso?

A gente fica feliz demais com a evolução. Tem cliente e tem cliente parceiro, como é a Retalhar, que poderia estar crescendo sozinha, mas não, ela está levando os grupos com ela. Tem essa preocupação.

O meu projeto deles é grande, vai crescer, mas não querem isso só para eles. É mais ou menos a economia solidária ou como ela deveria funcionar. A Charlotte é assim. A gente produz, mas se não consegue fazer tudo, passa para a rede de costura.

Fico muito feliz porque quando você sonha, começa a colocar em prática e vê que o negócio está dando certo, vai crescer, é fantástico. Estar caminhando junto é um máximo.

Para a gente, também tem um grande significado trabalhar com a logística reversa porque ajuda o meio ambiente, evitando que muitos resíduos vão parar nos aterros.

Hoje, tem a lei de resíduos sólidos, e é muito gratificante saber que a gente está ajudando, que esse material não está sendo descartado de forma irregular.

CLIENTES

O nosso carro chefe dos brindes são as sacolas para eventos, mas temos uma linha de produtos para cozinha, sala, decoração com esse material. Também damos oficinas de costura para grupos que queiram aprender o ofício.

Estamos na Rede Asta desde 2014. Em 2012, nos inscrevemos em um projeto da Coca-Cola com a Asta. Abriu-se um leque também para a Charlotte trabalhar com banner..

Com a Retalhar, a gente já fez alguns trabalhos com a Latam, como um porta passaporte com o uniforme deles, e com o SPMar [concessionária de rodovias] fizemos ecobags, necessaires e estojos, fora outros clientes.

A gente produz também o cobertor [para moradores de rua]. É gratificante passar na rua e ver uma pessoa usando aquilo que foi fruto do seu trabalho, um material que poderia estar em qualquer lixo, sendo descartado de forma irregular, prejudicando o meio ambiente. Além de ver que estamos ajudando aquelas moradores de rua.

A gente fica satisfeita não só ganhar o dinheiro com nosso trabalho, mas poder ajudar o próximo também.

No começo, a gente trabalhava e não ganhava quase nada. Hoje conseguimos ter uma renda razoável. Não é aquele salário maravilhoso, mas é um dinheiro que você sabe que batalhou e vai servir para usar na nossa casa ou com nós mesmas.

Para as que são casadas, é um complemento da renda do marido e ajuda bastante ter mais que um salário mínimo.

CRIAÇÃO
Hoje a Charlotte é uma referência para os grupos da comunidade que veem que pode dar certo, que basta acreditar no processo. Também é persistência e gostar do que faz. Quando se quer trabalhar com empresa, tem uma concorrência muito grande. O cara pode comprar uma bolsa por R$ 2 direto da China, mas vai estar lá com aquele monte de pessoa no trabalho escravo.

A gente não. Assim, conseguimos ganhar algumas concorrências desse mercado. Essa parceria com a Retalhar vem agregar valor também a nós. Ela é vista como um gestor de material do meio ambiente. Está realmente salvando muita coisa que vai para o lixo. E isso agrada muito às empresas.


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