Folha de S. Paulo


'Terapeuta faz terapia, família brinca', diz mãe sobre filho com autismo

Ao final da primeira infância de Rafael, hoje com 10 anos, o casal Ana Cláudia e Emerson Cavalcanti se confrontou com um diagnóstico de "autismo tardio" do filho, que até então tivera um desenvolvimento dentro do esperado.

"Rafa deixou de olhar, falar, começou a ter comportamentos diferentes, um isolamento profundo de uma forma que nos deixava bastante angustiados", conta a mãe.

Renato Stockler/Na Lata
Ana Cláudia e Emerson Cavalcanti brincam com o filho Rafael, de 10 anos, que tem autismo
Ana Cláudia e Emerson Cavalcanti brincam com o filho Rafael, de 10 anos, que tem autismo

Isso foi em 2008. Cerca de três anos depois, ela conheceu Carlos Pereira, criador o Livox, uma tecnologia que ajuda pessoas com deficiência a se comunicarem, além de funcionar como ferramenta de aprendizagem e inclusão escolar.

Pelo aplicativo desenvolvido inicialmente para a filha que tem paralisia cerebral, Pereira concorre ao Prêmio Empreendedor Social 2016. Ele também participa da categoria Escolha do Leitor.

Veja os vídeos dos finalistas e eleja seu preferido

Para o casal pernambucano, a tecnologia só representa ganhos. "O Livox veio para dar essa força às famílias que andavam com pastas de comunicação alternativa, o que era pouco prático."

Conheça a história de Rafael e Ana Cláudia e como o Livox entrou na vida deles.

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Rafael é uma criança linda, o melhor presente. Ele brinca, corre, tem suas peculiaridades e necessidade de atenção. Exala amor. Vejo meu filho como uma pessoa com pleno potencial de viver.

O autismo dele foi atípico, veio no fim da primeira infância. Ele começou a ter as características da deficiência, como ausência e dificuldade na comunicação, perdas na interação social e dificuldades sensoriais que traziam alguns comportamentos inadequados.

Ele começou a se perder por volta dos dois anos. Deixou de olhar, falar, começou a ter comportamentos diferentes, um isolamento profundo de uma forma que nos deixava bastante angustiados.

Não podíamos ir a uma festa porque ele se jogava no chão. Aquilo incomodava, deixava ele desorganizado. Era como se ele sentisse dor e não soubesse dizer. Era a sensação que nós tínhamos e não sabíamos como lidar.

Conheci o Carlos [Pereira, criador do Livox] entre 2011 e 2012. Nessa época, o Rafa ainda estava no auge da falta de comunicação. Eu montava todo o material de comunicação alternativa, plastificava, colava com velcro em pastas.

Era pouco prático. Para o autista, basta alguma coisa acontecer para ele sair correndo. É muito mais fácil em restaurante, parque ou outra atividade pegar um tablet do que abrir uma pasta. Não chamar tanta atenção.

A tecnologia tem a praticidade, atrai. É mais fácil capturar as imagens do que ficar pesquisando.

Utilizamos o Livox durante um tempo, como comunicação alternativa. Porém, hoje, é uma ferramenta de aprendizagem.

É uma tecnologia assistiva, aplicada para aprendizagem principalmente na inclusão escolar. Por exemplo, a gente pega o material da escola do Rafa e adapta o assunto. Ao invés de eu plastificar, cortar, imprimir, monto tudo no tablet. Assim, tanto eu quanto a fonoaudióloga trabalhamos juntas.

Meu filho adora tecnologia. Digo que está no DNA dele porque o pai é da área.

Quando ele está mexendo no tablet, é como se fosse mais um joguinho desses que ele curte. Então se torna algo muito lúdico, não fica pesado. É como se ele estivesse inserido num meio atual. Hoje toda criança pega um tablet, abre e vai jogar.

PROGRESSO E APRENDIZADO

Quando veio o diagnóstico, mexeu com toda a família. Foi muito difícil. Imagine ver seu filho falando, chamando mamãe, papai, e de repente ele perder a fala.

Rafa me ensinou a ser uma pessoa melhor, a respeitar o próximo, a ter paciência, a amar de forma incondicional. Podia passar o dia todinho falando e não ia ter palavras para dizer como é tê-lo como filho. É maravilhoso.

As dificuldades existem, não é um mundo fantástico, mas a gente tem que ter qualidade de vida, tem que olhar o outro e pensar que é possível. Eu acredito no meu filho. Pode o mundo inteiro achar que ele não vai conseguir, mas eu sempre vou dizer que ele vai.

Vi isso no Carlos também. Ele acredita muito na [sua filha] Clara. Uma coisa que me chamou muita a atenção em relação a ele é fez uma coisa boa e não guardou para si. Ousou, ele levou [a tecnologia] para fora.

Sou muito grata a ele por essa oportunidade. O Livox é uma ferramenta fantástica que transcende não só a comunicação alternativa, mas o processo de aprendizagem.

Nesse momento, posso dizer que as pessoas que utilizam o Livox, seja para aprendizagem, seja para comunicação, vão ter facilidade de locomoção e ganham autonomia. Só vejo ganhos.

O Livox veio para dar essa força às famílias que andavam com pastas de comunicação alternativa, o que era pouco prático. É muito mais fácil colocar um tablet ou um computador no bolso ou jogar numa bolsa.

ACIMA DE TUDO, CRIANÇA

Sempre tratamos o Rafa como criança. Terapeuta faz terapia, família brinca, tem que oferecer qualidade de vida, sair, se divertir. Temos que separar as duas coisas. Não adianta o terapeuta querer assumir um lado que só a família pode fazer, assim como não adianta a família querer virar terapeuta.

Por exemplo, se Rafa tem dificuldade de interação social, trabalhamos essa parte, com brincadeiras, de forma lúdica e também em grupo. Se ele tem problema motor, vai fazer atividades motoras, com um personal trainer, fazer academia, natação, brincar com skate, fazer esportes. Essa é a nossa realidade.

Buscamos sempre desenvolver Rafa. Tanto que as terapias dele [fonoaudiologia, terapia ocupacional] são para suprir a necessidade que o meu filho tem, não só pelo autismo.


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