Folha de S. Paulo


'Se a política é pública, é de todos', diz babá que virou conselheira municipal

A estudante de serviço social Josiane Rodrigues, 29, não tinha perspectiva de cursar uma faculdade. "Achei que ia parar no ensino médio porque o município não era bem estruturado", relata a universitária.

Com a chegada de uma mineradora a Barro Alto (GO), ela e a comunidade foram impactadas. O empreendimento trouxe também uma consultoria, a Agenda Pública, Oscip que atua no fortalecimento da gestão e da participação social.

Na Lata
Josiane Rodrigues, 29, estudante de serviço social e membro do conselho xxxx, em Barro Alto (GO)
Josiane Rodrigues, 29, estudante de serviço social e membro do conselho da assistência social, em Barro Alto (GO)

A organização, fundada pelo cientista político Sergio Andrade, 38, é finalista do Prêmio Empreendedor Social 2015 e concorre também na categoria Escolha do Leitor 2015; vote.

Um dos resultados do trabalho da organização da sociedade civil no município goiano de 10 mil habitantes é a capacitação de funcionários da prefeitura, para melhorar a qualidade dos serviços públicos, e de moradores, para fazê-los participar das decisões e ditar os rumos da comunidade.

"A gente começou a ter um norte de que se a política é pública, é de todos nós", afirma a ex-babá, que integra o conselho da assistência social e já fez cursos de recursos humanos e planejamento da assistência social, promovidos pela Agenda Pública.

Leia a seguir o seu depoimento para a Folha

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Eu nasci aqui em Barro Alto. Meu pai foi pedreiro a vida toda, o que nos deu sustento. Minha mãe é funcionária pública há 30 anos e hoje é orientadora social.

Eu trabalho desde muito nova e já cuidei de casa de família, de criança, de idoso, fiz faxina até ter uma estrutura melhor. Assim fui formando minha vida profissional.

O último emprego que tive antes de começar na prefeitura foi ministrando aulas de informática básica. Fui fazer um curso em Goiânia, onde tenho parentes.

Lá eu casei e tive meu primeiro filho até voltar para cá e começar a trabalhar na prefeitura, já com crianças, dando aula de informática.

A partir desse momento, eles viram que eu tinha um perfil para atuar em assistência social. Foi onde eu tive meu primeiro contato com a política e vi que não é aquela coisa fechada.

Antigamente, a nossa noção era que política só existia em época de eleição. A gente não tinha a compreensão de que é direito da sociedade participar ativamente de um conselho municipal, por exemplo.

A gente não sabia que podia cobrar, fiscalizar e solicitar melhorias.

Com a Agenda Pública, vieram os cursos e a gente começou a ter um norte de que se a política é pública, é de todos nós.

O primeiro passo deles foi fazer com que a comunidade entendesse que podia ter uma participação ativa.

A Agenda Pública veio dar um suporte para a população compreender até onde ela pode interferir e de como colaborar. Até então, os conselhos eram vistos simplesmente como uma instância de aprovação e fiscalização de balancetes.

Quando o da assistência social foi ser formado, por exemplo, estava lotado e todo mundo queria participar.

Antes não havia estrutura, as pessoas não sabiam como participar. A Agenda Pública convidou a sociedade.

POR DENTRO DA POLÍTICA

Não dá para virar conselheiro sem ter instrumentos, sem saber ler um balancete e sem entender a lei. Você não pode assinar um papel sem saber do que se trata. Agora, temos fóruns e conselhos municipais funcionando.

O que mais me marcou depois da chegada da Agenda Pública foi a carta de apresentação que eles fizeram das secretarias municipais. Eles fizeram todo o planejamento com o prefeito das novas secretarias. Antes não tinha essa divisão.

A carta era para a comunidade conhecer todos os serviços, que muitos não sabiam que existiam. E foi um passo fundamental, que trouxe a comunidade para dentro da prefeitura de uma forma diferente.

Até então era assim 'eu vou me capacitar, me formar e para onde vou?'. Então a maioria das pessoas estudavam aqui até concluir o ensino médio, iam fazer uma faculdade em Goiânia e ficavam por lá mesmo.

A escola municipal em que meus filhos estudam hoje está excelente, comparada à época que eu fazia ensino fundamental. Se Deus quiser, quando eles estiverem na idade de ir para universidade, não vão precisar se deslocar para fazer faculdade em um município vizinho.

Depois de abrir novos horizontes, de conhecer um pouco mais o que é a política pública, eu tô fazendo faculdade de serviço social e pretendo continuar nessa área. As próprias instituições não eram preparadas apara atender as nossas dúvidas.

A Agenda Pública deu esse suporte e mostrou que a comunidade tem que cobrar e que Barro Alto precisa de pessoas capacitadas.

Eu não tinha nenhuma perspectiva de fazer um ensino superior. Achei que ia parar no ensino médio porque o município não era bem estruturado.

Vi que que podia crescer profissionalmente. Uma empresa multinacional [a mineradora Anglo American] veio para a cidade e precisava de gente qualificada. Como não tinha aqui, foi buscar profissionais fora.

Agora, já estão vindo outras empresas, mais comerciantes que começaram a investir e o município está se desenvolvendo.

Depois que a Agenda Pública chegou aqui, até o número de universitários aumentou. Antes, não tinha uma área para trabalhar, as pessoas daqui não se achavam capazes.

OLHO NA REALIDADE

Tenho certeza de que se não tivesse feitos as capacitações, não estaria fazendo essa faculdade porque aqui a gente não tinha uma perspectiva de crescimento, não tinha uma visão.

A Agenda Pública nos capacitou e dá sequência. Eu sou informada por e-mail de outros cursos, ligam para mobilizar, para saber se vou participar.

Assim como eu, que atuo na assistência social, outras pessoas vão dar sequência ao trabalho [da Agenda Pública]. Eles mobilizaram os funcionários concursados dentro dos órgãos públicos, que têm a vantagem de não serem vagas passageiras.

Então eu pretendo continuar nessa área, não falo dentro da prefeitura, pois não existe concurso municipal para ser assistente social.

Mas vejo que Barro Alto tem mais suporte agora. Sem participação popular não existe política pública. E foi a Agenda Pública que plantou essa sementinha aqui.


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