Folha de S. Paulo


Lei de Migração amplia e assegura a liberdade de associação de imigrantes

Entre as liberdades fundamentais, a liberdade de associação e de reunião pacífica foram definitivamente consagradas a brasileiros e estrangeiros desde a Constituição Federal de 1988, o que tornou anacrônica parte da legislação vigente à época do regime militar.

Durante o período da Ditadura Militar (1964-1984), o exercício de atividades políticas, um dos temas contemplados pelas liberdades fundamentais, foi motivo de prisão ou expulsão de estrangeiros do Brasil, sob a alegação de ofenderem a segurança nacional.

À época, ficaram famosas a expulsão do padre italiano Vito Miracapillo, que se recusou a celebrar uma missa de 7 de Setembro na cidade de Ribeirão (PE) ao declarar que não havia independência para um "povo reduzido a condição de pedinte e desamparado em seus direitos", e a prisão dos padres franceses Aristides Camio e François Gouriou, que apoiavam posseiros na região do Araguaia contra ações arbitrárias do governo.

O Estatuto do Estrangeiro, de 1980, proibia os estrangeiros de participarem da administração de sindicatos, das associações profissionais e das entidades fiscalizadoras do exercício de profissões regulamentadas, e condicionava à autorização do Ministério da Justiça a criação de associações civis quando mais da metade de seus associados fossem estrangeiros.

O pleno exercício da liberdade de associação e de reunião pacífica é considerado essencial para a consolidação de um regime democrático, na medida em que a garantia de tais liberdades é uma das estratégia para as pessoas exercerem outros direitos civis e políticos, econômicos, sociais e culturais.

É por esta razão que este direito deve ser assegurado a todas as pessoas, sem qualquer discriminação, incluindo estrangeiros, apátridas, refugiados e outros imigrantes.

O processo de aprovação da Lei de Migração (n° 13.445, de 24 de maio de 2017), que entrou em vigor em novembro de 2017, e hoje encontra-se regulamentada pelo decreto n° 9.199/2017, contou com ampla participação da sociedade civil para revogar expressamente o Estatuto do Estrangeiro e inserir novidades na ordem jurídica brasileira em sintonia com o texto constitucional de 1988.

O objetivo é corrigir o descompasso entre a realidade dos imigrantes no país e a legislação e garantir direitos em um contexto internacional de aumento expressivo da xenofobia.

A Lei de Migração contempla princípios como a não discriminação e a igualdade de direitos de trabalhadores imigrantes e nacionais, que produzem reflexos no direito de exercício das liberdades fundamentais em nosso território.

Uma novidade da lei é a ampliação da igualdade de direitos civis e políticos entre nacionais e estrangeiros por meio da revogação expressa das duas regras de caráter restritivo anteriormente mencionadas. A primeira tratava da proibição dos estrangeiros de exercerem atividades políticas no Brasil.

Já a segunda exigia a autorização do Ministério da Justiça para a criação e o funcionamento de associações civis que possuíam em seus quadros diretivos mais de 50% de estrangeiros.

Ambas as restrições eram incompatíveis com o direito universal de associação, que confere a todo ser humano o direito à reunião pacífica e o direito à criação de associações civis.

Outra novidade consiste na substituição do conceito de "estrangeiro" por "imigrante", para abranger não apenas aquele que é simplesmente nacional de outro país, mas também aqueles categorizados como asilados e refugiados, reafirmando em igualdade de condições a possibilidade de exercerem seus direitos civis e políticos.

Assim, a Lei de Migração encontra-se alinhada às liberdades fundamentais asseguradas pela Constituição Federal de 1988, bem como às exigências das fontes internacionais de direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Além disso, ao regular a liberdade de associação dos estrangeiros, a lei apresenta-se em sintonia com os diversos discursos contemporâneos em prol da democracia e da não discriminação, especificamente pelo acolhimento a estrangeiros e imigrantes por outras sociedades, inclusive em condições de integração social.

Em suma, a Lei de Migração abole exigências de caráter normativo ou regulamentar que discriminem a participação de estrangeiros em associações e abre a possibilidade de adoção de providências administrativas ou judiciais que assegurem o respeito à igualdade entre brasileiros e estrangeiros.

Por isso, é importantíssimo que a sociedade civil continue acompanhando de perto esse processo, para que os avanços trazidos pela revogação do Estatuto do Estrangeiro e introdução de uma legislação democrática que garante direitos, dentre os quais o exercício da liberdade de associação, sejam consolidados.

FERNANDO FERNANDES DA SILVA, advogado e consultor de direito internacional, integra o escritório Szazi, Bechara, Storto, Rosa e Figueiredo Lopes Advogados, parceiro do Prêmio Empreendedor Social
STELLA CAMLOT REICHER, advogada e mestre em direitos humanos pela USP, também faz parte do escritório Szazi, Bechara, Storto, Rosa e Figueiredo Lopes Advogados, parceiro do Prêmio Empreendedor Social


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