Folha de S. Paulo


Conectividade nas escolas é essencial, mas não pode ser a única estratégia

SMCS
Conectividade é chave para que os alunos que mais precisam possam utilizar recursos educacionais on-line
Conectividade é chave para que os alunos que mais precisam possam utilizar recursos on-line

"MEC promete internet rápida em todas as escolas do Brasil em 7 anos", diz a matéria da "Nova Escola" publicada no fim de novembro. Notícias como essa me preenchem de um misto de energia e desânimo.

Conectividade é chave para que os alunos que mais precisam possam utilizar recursos educacionais on-line –de plataformas de ensino adaptativo a vídeos da Khan Academy– para preencher suas lacunas de aprendizagem, no seu próprio ritmo.

Também é chave para que os professores desses alunos, justamente nas escolas com pior infraestrutura, possam utilizar os recursos pedagógicos on-line– de planos de aula a ferramentas de gestão.

Hoje, quem tem acesso a esses recursos é justamente quem já tem as melhores oportunidades: crianças de famílias com internet em casa ou no celular, estudando em escolas privadas, e seus professores.

Não se engane pelas estatísticas de acesso a internet que a mídia adora divulgar: 55% dos domicílios brasileiros ainda não estão conectados (Cetic, 2017), e os smartphones tipicamente só acessam WhatsApp e Messenger, que as operadoras permitem utilizar sem consumir o plano de dados (cerca de 60% das linhas ativas no Brasil são pré-pagas, e temos uma das telefonias mais caras do mundo).

Como resultado, hoje em dia tecnologias educacionais amplificam desigualdades, ao invés de reduzi-las. Universalizar o acesso a essas tecnologias por meio da conectividade permitiria que o contrário passasse a ser verdade.

Dito isso, é difícil acreditar que o MEC (Ministério da Educação) vai conseguir fazer o que prometeu em sete anos. Há muitas razões para desconfiar dessa promessa, sobretudo da meta de alcançar mais de 22 mil escolas já ao final do ano que vem.

O Criança Feliz –programa de primeira infância do governo federal, baseado em visitas domiciliares–, igualmente prioritário na nossa agenda de desenvolvimento nacional, queria chegar a todos os 5.570 municípios até fim de 2017. Em setembro, ainda não tinha passado de 350, vitimado por desafios de toda ordem, sobretudo orçamentários e de contratação, que devem estar igualmente presentes na agenda de conectividade.

Mesmo que eu acreditasse na promessa do MEC, contudo, sete anos é tempo demais. Em sete anos, o aluno de dez anos hoje começando os anos finais do ensino fundamental, estará formado.

Teremos pulado uma geração se continuarmos de braços cruzados, lamentando como as coisas são difíceis. Pior, em sete anos a internet que hoje é "rápida" provavelmente será lentíssima para os seus novos usos que não ainda não podemos prever.

Em sete anos, o treinamento para que os professores usem as tecnologias de hoje já estarão totalmente defasados em relação às tecnologias do futuro. O que fazer, então?

Já é possível levar conectividade diretamente para o celular do aluno e do professor das escolas públicas brasileiras.

Se é verdade que, cada vez mais, seus telefones serão smartphones –minha estimativa é que nos próximos cinco anos cheguem a 80% do estoque de celulares–, não é verdade que esses telefones estarão sistematicamente conectados. Mas a tecnologia para que eles naveguem de graça, acessando os recursos educacionais e pedagógicos que poderiam mudar o jogo que reproduz e amplifica desigualdades, já está disponível.

Essa tecnologia permite, inclusive, carimbar a conectividade. Isso significa, por exemplo, que os alunos tenham internet para acessar uma hora por dia de vídeos da Khan Academy, mas não consigam usar isso para assistir aos vídeos do Porta dos Fundos.

É o mesmo princípio do Wi-Fi do aeroporto, mas ao invés de ser ligado a um local específico, é ligado a um público específico –àquele que mais poderia se beneficiar do acesso.

Dar conectividade não exige treinar ninguém para utilizar essa tecnologia, e garante que, em cinco, sete ou 20 anos, as ferramentas mais modernas estejam disponíveis na melhor velocidade, aquela que as operadoras oferecem mesmo aos seus clientes pós-pagos.

Não podemos jogar para o alto os esforços atuais de conectar as escolas. Mas também não podemos ficar refém deles. Precisamos avançar mais rápido, fazendo políticas públicas menos limitadas pelas abordagens tradicionais. Do contrário, vamos acabar pulando (no mínimo) mais uma geração.

GUILHERME LICHAND, professor de Economia do Bem-Estar e Desenvolvimento Infantil da Universidade de Zurique e presidente do conselho da MGov


Endereço da página: