Folha de S. Paulo


Em cooperativa em Uganda, mulheres plantam arroz e se livram da violência

No mundo dos negócios sociais diversas vezes nos deparamos com histórias que nos inspiram, nos incentivam a fazer mais, dividi-las com o mundo, acordar mais cedo e trabalhar mais para que mais histórias como essas aconteçam. Essa eu tive a sorte de conhecer num evento de captação de recursos da Yunus Social Business em Paris.

Agnes Apea é de Uganda. Por conta de uma guerra civil que irrompeu na sua região em 1990, ela foi obrigada a abondar seu vilarejo e ir morar num campo de refugiados onde ficou até 2012 (sim, 22 anos num campo de refugiados!).

Ela conta que, em Uganda, arroz (aquele nosso de todo dia) é um prato cerimonial para a população mais pobre, comido apenas no Natal.

Mas que sempre carregou um toque de tristeza: os homens costumam trazer arroz para a ceia. As mulheres cozinham o arroz, que é servido primeiro para eles, homens, e depois para as crianças. Como a tônica é sempre a escassez, as mulheres ficam por último. E as porções quase nunca são suficientes para elas.

Os homens saem nessa noite para festejar, e quase sempre voltam bêbados e acabam batendo nas mulheres.

Então o arroz carrega uma nota de crueldade associada ao mesmo tempo à escassez e ao machismo em Uganda.

Agnes viu aí uma oportunidade. Há cinco anos juntou um grupo de 20 mulheres. Somaram suas parcas economias e compraram sementes para plantar elas mesmas o seu arroz (ao contrário da Ásia onde é plantado em alagados, plantam em planícies férteis do noroeste de Uganda).

O que nasceu como uma ONG cooperativa virou um negócio social apoiado pela Yunus Social Business Uganda chamado HDI (Hope Development Initiative).

Hoje se tornou uma trading company, que vende sementes e implementos agrícolas para mais de 10 mil pequenos produtores que plantam em pequenas propriedades, cuja produção (exclusivamente arroz) é depois vendida à mesma HDI, que por sua vez revende ao mercado interno e também exporta para outros países da África. Detalhe: só mulheres participam do sistema.

O poder dos negócios sociais faz os recursos transitarem nos círculos locais, corrige distorções, empodera e cria protagonismo aos atores locais.

Histórias tocantes como as da Agnes inspiram a movermos cada mais forte as asas das borboletas que empurrarão pra longe as nuvens cinzas que turvam o horizonte... Nós acreditamos porque as vemos funcionando.

LUCIANO GURGEL é gestor da Yunus Negócios Sociais Brasil, parceiro do Prêmio Empreendedor Social


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