Folha de S. Paulo


Negócios sociais: o dilema moral de lucrar reduzindo desigualdades

Para muitos, a ideia de negócios com impacto social coloca dilemas morais importantes. Dá mesmo para ganhar dinheiro contribuindo para a redução das desigualdades e para a melhoria das condições de vida dos mais pobres? E, se der, isso é justo e moralmente aceitável?

Para os que respiram o mundo dos negócios, essa pergunta parecerá quase bizantina. Afinal, já existem negócios –como os da área de saneamento, por exemplo– que têm óbvio impacto positivo quando universalizados.

Ainda assim, muitas pessoas oriundas do campo social –especialmente aquelas que se desdobram para tornar realidade projetos voltados para grupos muito vulneráveis– desconfiam que negócios nesse campo tenderão sempre a contribuir para ampliar a exclusão dos mais pobres. Quem tem razão?

Por um lado, é preciso admitir que a preocupação das pessoas atuantes no campo social é totalmente legítima. É longa a lista de tipos de negócio que nunca ofereceram soluções viáveis para consumidores das classes D e E.

Mesmo em setores capazes de oferecer uma cobertura mais ampla, não raro vemos propostas que assumem, por diferentes motivos, aspectos relativamente perversos. Basta pensar em serviços como a conexão de internet, que, quando oferecida, funciona pior nas áreas pobres, ou a oferta de crédito, muito mais cara e escassa.

Por outro, é ingênua a ideia de alguns atores empresariais de que qualquer projeto social poderá se transformar em um negócio. Afinal, é notória a dificuldade de se estruturar modelos de negócios viáveis voltados para consumidores pobres.

Além da execução mais complexa e dos prazos mais longos, eles requerem ousadia, pois implicam a criação de novos mercados em setores onde negócios ainda não funcionam adequadamente.

Também existem segmentos que precisam e vão continuar a precisar por muito tempo de soluções a fundo perdido, especialmente quando pensamos nas propostas voltadas para os extremamente vulneráveis. Para estes, o Estado continuará a exercer um papel essencial, assim como a filantropia pura –sobretudo nas situações mais críticas.

Posto isso, a crença de muitos atores sociais de que negócios não podem ter impacto social positivo tampouco é verdadeira. Famílias de baixa renda estão ávidas por soluções acessíveis, que ampliem suas oportunidades e melhorem suas condições de vida, independentemente de sua origem.

Sem saber, compartilham sabiamente da célebre frase de Deng Xiaoping, o responsável pelas reformas modernizantes da China comunista: "não importa se o gato é preto ou branco contanto que ele cace o rato".

Assim como existem muitos tipos de capitalismo –do praticado na Alemanha nazista na década de 1930 ao social democrata sueco da década de 1990– há muitos tipos de negócios lucrativos.

Alguns podem ser, sim, extremamente predatórios, mas outros conseguem contribuir para a construção de uma sociedade menos desigual e mais sustentável. E já foram desenvolvidas centenas de propostas em todo mundo –algumas muito exitosas– que oferecem soluções com impacto positivo em áreas como habitação, microfinanças, nutrição, saúde e educação.

Embora existam também projetos filantrópicos muito interessantes, a grande maioria deles atende a um número pequeno de beneficiários. Porém, quando alguns deles são pensados como negócios de impacto, podemos ver um significativo estímulo à inovação e uma grande ampliação da escala.

Parece fazer sentido. Afinal, num país relativamente pobre e com mais de 200 milhões de almas, já chegou a hora de questionarmos a lógica bonita, mas limitada, do "small is beautiful", não é?

HAROLDO TORRES, economista e doutor em ciências sociais, é cofundador da Din4mo, consultoria voltada para apoiar negócios com impacto social parceira do Prêmio Empreendedor Social


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