Folha de S. Paulo


A crise dos heróis e a ascensão dos protagonistas

Não sei você leitor, mas eu sempre tive dificuldade de eleger um herói. Pensava numa pessoa, e ela não me transmitia todos os valores que eu buscava em alguém.

Longe de exigir perfeição, pois há muito tempo eu sei que mesmo os heróis não são perfeitos. Esta casa já caiu faz tempo, lá na minha infância, e estou consciente que um dia meu filho vai descobrir que eu também não sou sua heroína.

E o que são heróis? É este alguém que me salva do estado de perigo que eu estou. Os heróis podem ter um coração enorme e uma força espetacular, mas será que eles estão confiando no coração e no poder do outro para ele mesmo se salvar? Será que este espírito de salvador não permite o fortalecimento do outro? E até esconde as fraquezas dos heróis?

Vivemos ainda numa sociedade que adora muito os heróis, e tenho refletido como isso espelha uma imagem distorcida da nossa capacidade individual de sermos donos e protagonistas das nossas próprias vidas.

Quando exageramos em esperar demais dos heróis da política, que só nos decepcionam, será que deixamos de assumir nosso lugar de cidadã, de dono do que é público? Quando exageramos em esperar demais dos nossos heróis no ambiente de trabalho, será que não nos acomodamos a ouvir uma resposta pronta como as coisas devem ser feitas ao invés de tentar achar uma que faça sentido?

Quando um herói do bem social quer muito ajudar o outro, será que ele não veste uma fantasia de salvador e não permite o outro a encontrar seu próprio caminho? Ou pior ainda, não confia na capacidade do outro de mudar a própria vida? São linhas finas para ficarmos atentos.

Estou vendo no mundo uma crise de heróis. A multidão quer assumir o poder. Os empreendedores das favelas brasileiras estão gritando ao mundo: eu já faço acontecer, não venham me dizer como fazer. Os cidadãos estão mobilizados para denunciar corrupções e acompanhar seus políticos mais de perto.

Ninguém motiva ninguém. A motivação –que é um motivo para a ação– está dentro de você. Ninguém empodera ninguém. Você tem o poder dentro de você. Para mim, isso é protagonismo. É assumir o papel principal da história da minha vida, assumir o ônus e o bônus disso, assumir a auto-responsabilidade por quem eu sou hoje, tanto nas boas como nas más criações.

Acredito sim em ambientes abertos e colaborativos que convidam todos a assumirem este papel. E foi deste conceito de que cada um é protagonista da própria jornada que criamos no Social Good Brasil, um programa colaborativo com outras organizações e 100% aplicado por protagonistas de diversos projetos de impacto social espalhados pelo Brasil. Os protagonistas chegam a outros protagonistas na sua "pegada" local.

A jornada do programa só poderia ser composta por três elementos: o olhar pra dentro para que tudo o que for feito tenha sentido pra mim; o olhar para o mundo para conhecer tantas inovações poderosas; e a ação para eu dar o primeiro passo.

Do objetivo de que cada vez mais as pessoas sejam protagonistas das suas vidas, com foco em impacto social e ambiental positivos, nasceu a Aceleradora de Protagonismo Social, com várias caras de todo o Brasil. Aceleradora porque o protagonismo já temos. Queremos que todos possam encontrá-lo dentro de si, e os tempos atuais pedem agilidade.

E você? Qual papel você vai assumir na sua vida?

CAROLINA DE ANDRADE, mestra em Gestão de Tecnologia e Inovação pela Universidade de Sussex, é diretora-executiva Social Good Brasil, parceira do Prêmio Empreendedor Social


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