Folha de S. Paulo


'Tinder' dos médicos: como usar dados na escolha dos melhores profissionais

Para quem ainda não conhece, o Tinder é um aplicativo que permite usuários escolherem seus futuros relacionamentos em apenas cinco fotos. Escolher um médico, clínica ou hospital, hoje em dia, envolve menos informação do que isso.

Indicações de amigos, uma "imagem" de confiança, anos de experiência, faculdade: esses são os critérios que usamos para escolher alguém que, muitas vezes, terá nossa vida em suas mãos.

Seja um paciente que necessita de um cirurgião, ou uma clínica que precisa contratar um profissional de saúde certo, o desafio de escolher o médico frequentemente não é mais elaborado do que escolher um namoro no Tinder. Mas por que é assim?

Pacientes são incapazes de entender quais os fatores importantes para determinar o que faz um médico melhor do que outro e nem sempre têm dados para tomar a decisão.

Melhor escolher um médico mais velho? Ele tem experiência, mas também pode estar completamente desconectado de novidades sobre novos medicamentos, ferramentas, ou pesquisas. Talvez ele nem usa um computador. Como decidir?

Uma pesquisa famosa feita nos Estados Unidos tentou descobrir quais fatores foram responsáveis para que um médico seja processado. Os pesquisadores identificaram que não foram os anos de experiência do médico.

Não foi a universidade onde ele se formou, nem gênero e raça estavam correlacionados com a taxa de ações judiciais. Mas sim quanto tempo o médico ficou falando com o paciente no consultório.

O estudo mostrou que apenas três minutos a mais de atendimento representavam uma queda de 40% das chances de ser processado. Ou seja, a "impressão" do paciente teve muito mais a ver do que o desfecho clínico.

Por aqui, não é muito diferente. Um médico em um dos hospitais mais renomados em São Paulo contou que ouviu duas mulheres conversando na sala de espera: "Esse médico aí, você viu o carro dele? Nem tem um Mercedes! Com certeza, não deve ser confiável".

Um paciente não confia na qualidade do médico baseado no carro que ele usa. Já ouvi que se médicos não usam caneta MontBlanc também são considerados piores.

Como então realmente saber qual médico tem um empenho melhor? Um jeito é ver alguns indicadores simples. Por exemplo, se o Médico A faz cirurgia de coração e a taxa de mortalidade é de 10%, e o Médico B que faz os mesmo tipo de cirurgia consegue um taxa de 5%, significa que o Médico B seja melhor.

Mas isso não é certo também. Talvez o Médico A opere em pacientes mais idosos, com várias complicações. E talvez se o Médico B tentasse operar nesses pacientes a taxa de mortalidade seria muito maior.

Como tomar essa decisão? A solução é usar dados –muitos dados. Alguns pontos são: Quantos atendimentos e procedimentos o médico faz por mês? Qual o grau de complexidade dos pacientes? O médico está atualizado nas novas técnicas e tecnologias? Quais são os desfechos clínicos? E se você, como paciente, se relaciona bem com este profissional que irá lhe atender?

A Cleveland Clinic, nos EUA, um dos melhores centros de medicina no mundo, por exemplo, usa protocolos internacionais para determinar se uma cirurgia ou outro procedimento foi considerado de "sucesso" (por exemplo, se o paciente recuperou de forma adequada ou não).

O centro publica seus resultados no próprio site. É possível ver a possibilidade de morrer, por exemplo, em uma cirurgia cardíaca no Cleveland Clinic em comparação a outros hospitais.

Em algumas áreas, eles são melhores, mas em outras, não. Ainda assim, publicam os resultados. Dados assim são trabalhosos para seguir e coletar, porém são extremamente importante para orientar o paciente.

Alguns hospitais no Brasil estão começando a fazer isso, mas é bem incipiente. Esse tipo de análise é necessário para realmente garantir qualidade no sistema de saúde de forma mais sustentável.

MICHAEL KAPPS, economista russo-canadense formado na Universidade Harvard (EUA), é cofundador da Tá.Na.Hora Saúde Digital e finalista do Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2016


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