Folha de S. Paulo


O direito à cidade é de todos, assim como a solução dos problemas

O futuro da humanidade será urbano. Em 2014, pela primeira vez na história, já tínhamos mais da metade da população mundial vivendo em cidades (54%), e a tendência é chegarmos em 66% em 2050, segundo a ONU.

As cidades são o motor econômico da nossa sociedade. Ocupando apenas 3% das terras do planeta, geram 80% do PIB (Produto Interno Bruto) global. Por outro lado, é justamente nelas que se concentram os principais desafios humanos, como pobreza ou aspectos relacionados à mudança climática –75% das emissões mundiais de gases são delas.

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Se a urbanização é uma tendência e a maioria dos problemas se deve a nossas cidades e aos assentamentos humanos, como mencionou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, na inauguração da Habitat III (Conferência da Nações Unidas sobre Moradia e o Desenvolvimento Urbano Sustentável), finalizada na quinta-feira (20), em Quito, no Equador, devemos nos planejar para buscar soluções no próprio ambiente urbano.

Foi com essa intenção que os 193 países membros da ONU adotaram nessa conferência a "Nova Agenda Urbana", um documento que faz uma reflexão crítica sobre os rumos da urbanização no mundo e pauta uma nova maneira de atuação dos países, visando construir cidades mais democráticas e sustentáveis nos próximos 20 anos.

Um dos principais problemas enfrentados pelas cidades hoje é a desigualdade de acesso à moradia adequada. Um quarto da população vive em favelas, em condições precárias. São cerca de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo e esse número deve dobrar em 2030.

Tendo como uma das principais premissas "não deixar ninguém para trás", a "Nova Agenda Urbana" destaca a importância de avançar com as atividades de urbanização de favelas e garantir a todos o direito à cidade.

Mas como avançar em um cenário de redução de investimentos públicos?

É aqui que acredito que o campo do empreendedorismo social pode contribuir bastante. Por se tratar de um direito humano e também por ser o ponto-chave no planejamento e desenvolvimento das cidades, as ações voltadas à moradia devem ser pautadas pelo interesse público. Sendo assim, é indiscutível o papel central dos governos na orquestração e regulação destas ações.

No entanto, os empreendimentos sociais podem e devem contribuir com inovações. Um exemplo: temos, no Brasil, grandes programas públicos de construção de moradias populares, sendo o maior destaque o "Minha Casa, Minha Vida".

Essas iniciativas visam combater o déficit habitacional quantitativo, que é de cerca de 5 milhões de unidades. Por outro lado, temos o déficit qualitativo (casas que existem, mas precisam de melhorias) de cerca de 11 milhões de unidades. E este praticamente não é contemplado por programas governamentais.

Para contribuir na resolução do problema de inadequação das moradias é que estruturamos o Programa Vivenda, um negócio social que tem como objetivo promover a saúde e a qualidade de vida da população de baixa renda, por meio da realização de reformas habitacionais.

Operamos por meio de um modelo integrado, que envolve orientação técnica, mão de obra, materiais de construção e parcelamento da obra, que entrega reformas de qualidade em cerca de cinco dias. Para atender aos diversos segmentos de baixa renda, trabalhamos com dois modelos.

No principal, os próprios moradores das comunidades pagam pelas reformas, em parcelas que cabem no bolso. A família em situação de maior vulnerabilidade, sem recursos para custear a obra, recebe a reforma gratuitamente, paga por organizações filantrópicas ou até por doadores pessoa física.

Toda a operação é feita sem nenhum recurso público.

Modelos de negócio como o do Programa Vivenda endereçam soluções de problemas sociais de forma privada. No entanto, os resultados podem ser amplamente escalados se feitos em sinergia com demais iniciativas públicas, tais como a regularização fundiária ou a oferta de crédito subsidiado para essa faixa da população.

Para darmos conta do tamanho do desafio da "Nova Agenda Urbana", precisaremos todos –Estado, empresas e sociedade civil– unir esforços em arranjos inovadores para de fato não deixar ninguém para trás.

FERNANDO AMIKY ASSAD, co-fundador do Programa Vivenda, vencedor do Prêmio Folha Empreendedor Social de Futuro 2015 e membro da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais


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