Folha de S. Paulo


Reorganização das escolas em São Paulo: política boa ou ruim?

Nas últimas semanas, testemunhamos o caloroso debate sobre a reorganização das escolas da rede pública do Estado de São Paulo, culminando na reversão da medida, que será estudada ao longo de 2016.

Ganhamos, assim, uma "segunda chance" para considerar se a medida tem ou não méritos, para que a retomada do debate no próximo ano seja baseada no que realmente importa.

A medida vai, de fato, melhorar a educação? Em caso afirmativo, seus benefícios compensam os custos da política?

Retomando o debate, o governo gostaria de concentrar um único ciclo (apenas Ensino Fundamental ou apenas Ensino Médio) por escola.

O argumento é que isso permitiria que os professores cumprissem um melhor papel, concentrados numa única faixa etária.

Deixando de lado a comunicação precária dos objetivos da iniciativa e a violência policial que se seguiu à ocupação das escolas que seriam fechadas, vamos nos concentrar no mérito da política.

A reorganização das escolas em São Paulo é política boa ou ruim?

Os que apoiam a iniciativa se baseiam na intuição de que o argumento do governo faz sentido, e na evidência de que alunos de escolas de ciclo único têm, em média, melhor desempenho que aqueles nas escolas com mais de um ciclo - ainda que possam ser diferentes em várias outras dimensões, também associadas a desempenho diferente.

Os que são contrários a ela se baseiam nos custos associados aos deslocamentos mais longos para vários desses alunos. É o caso de irmãos de diferentes idades que não mais poderão ir juntos à escola.

Baseiam-se ainda na intuição de que a convivência com alunos de diferentes faixas etárias teria efeitos positivos. Há ainda argumentos associados a custos de transição: rompimento de laços entre colegas, e entre professores e alunos (esses custos são específicos à primeira geração de alunos afetados pela mudança, e serão ignorados neste artigo, para simplificar a discussão).

Quem está certo, afinal? Resposta curta: não sabemos. Esse é o chamado "problema fundamental da inferência": não observamos o mundo contrafactual em que tudo é igual, exceto a política que queremos avaliar.

A maneira mais segura e controlada de aprender a resposta seria "pilotando" a iniciativa: algumas escolas seriam sorteadas para serem reorganizadas ("grupo de tratamento"), enquanto outras não ("grupo de controle"). Em seguida acompanharíamos ao longo do tempo variáveis como frequência escolar, notas e evasão de todos os alunos, comparando aqueles cujas escolas foram reorganizadas com os demais.

Também monitoraríamos o tempo de deslocamento de casa até a escola, e as despesas da família com transporte.

O exercício seguinte é comparar os alunos entre os grupos de tratamento e controle.

Podemos comparar a média simples entre todos os alunos de cada grupo de escolas. Ou restringir a comparação aos alunos com dificuldade de aprendizagem ou, ainda, aos melhores alunos de cada grupo de escolas, para entender se a política tem efeitos diferentes sobre diferentes perfis de alunos.

Para cada comparação realizada, temos três situações possíveis. Primeira, se os alunos de escolas reorganizadas passam a ter, em média, resultados melhores para um dado perfil de aluno (digamos, os alunos com notas mais baixas), sem aumento nos custos de deslocamento, então a política é boa para aquele perfil.

Segunda, se os alunos das escolas reorganizadas não tiverem, em média, resultados melhores para um dado perfil de aluno, e ainda tiverem maiores custos de transporte, então saberemos que a política é ruim para aquele perfil.

Terceira, se ocorrer uma mistura dos cenários anteriores, então teríamos uma "zona cinzenta" em que é preciso definir um critério de ponderação para comparar ganhos ou perdas de desempenho com perdas ou ganhos de custos de deslocamento.

Para fazer essa conta para a política proposta em São Paulo, no entanto, temos um outro "problema fundamental": a política não foi e, provavelmente, nem será pilotada de maneira controlada para que seu impacto possa ser avaliado antes de torná-la universal.

Isso impede que a sociedade entenda seus custos e benefícios, quando isso deveria ser pré-requisito do planejamento de qualquer política pública.

Se soubéssemos que a política favorece os alunos com dificuldades de aprendizagem, mas prejudica os melhores, que caminho gostaríamos de tomar? E se fosse o contrário?

Essa deveria ser a natureza do debate público. E essa é, também, a resposta longa para a pergunta que dá título a esse artigo: não existe política boa ou ruim para todo mundo. O que existe, sim, é planejamento ruim. Infelizmente, não precisamos de experimentos para afirmar que esse ainda é, via de regra, de baixa qualidade no país.


GUILHERME LICHAND, doutorando em Economia Política e Governo pela Universidade Harvard, é sócio-fundador da MGov Brasil


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