Folha de S. Paulo


A Lei Florestal paulista surpreende

A nova versão do Código Florestal brasileiro (Lei Florestal 12.651) publicada em maio de 2012 estabeleceu normas e um conjunto de requisitos mínimos que tratam da proteção, conservação e manejo da vegetação nativa em imóveis rurais de todo o país. Também definiu que, a partir do piso mínimo, cada estado da federação deveria definir regulamentos específicos para a implementação da lei, considerando a realidade estadual.

Com este mandato, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo tem trabalhado desde março de 2014 em um projeto de lei para dispor sobre o Programa de Regularização Ambiental (PL 219/2014), ou a regulamentação paulista do Código Florestal.

A realidade paulista não é trivial. Trata-se da maior economia do país, com importante participação do setor agropecuário. É liderada pelo plantio de aproximadamente cinco milhões de hectares de cana-de-açúcar, pouco menos de um milhão hectares de laranja.

Também é importante produtor de grãos e possui um pujante setor de hortifrutigranjeiros. Enfim, tem uma diversidade de produtos e perfil de produtores nos mais de 300.000 imóveis rurais, que vão de grandes propriedades a assentamentos da reforma agrária.

A vegetação nativa do estado (Mata Atlântica e Cerrado) é distribuída desigualmente, com uma concentração na zona litorânea e um grande déficit do centro para o oeste. Faltam cerca de 1,5 milhões de hectares de floresta para que a legislação estadual seja cumprida.

O estado atravessa uma crise hídrica decorrente de um evento climático extremo, mas acentuado pela fragilidade das suas bacias hidrográficas –o que sugere que o uso da terra não é o ideal. Muitas bacias possuem suas nascentes e beiras de rios ocupadas por pastos e outras culturas e diversas delas possuem menos de 5% de vegetação nativa.

Um diferencial importante de São Paulo para a elaboração de uma lei ou política pública é que somos líderes em ciência e tecnologia e um dos estados que possuem maior quantidade e qualidade de dados sobre o uso da terra e sua situação ambiental.

O projeto BIOTA, financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) com recurso público do próprio estado, definiu as áreas prioritárias para a conservação da vegetação nativa. Os comitês de bacias hidrográficas também têm as prioridades regionais e a pesquisa agropecuária conhece a importância da vegetação nativa e da biodiversidade para a produção agropecuária, de água e outros serviços ambientais.

Enfim, temos todos os elementos para elaborar uma lei que dê conta da complexidade e protagonismo de São Paulo no país. Esta pode ser uma lei simples e objetiva, mas sofisticada, criativa e inteligente para lidar com a situação estadual.

Todavia, o PL em fase final de tramitação na Assembleia e apresentado em sua segunda audiência pública em 25 de novembro somente reproduz o mínimo dos requisitos da lei nacional. É surpreendente que, com base em interpretações duvidosas, até reduz o piso em temas controversos, como a proteção dos Cerrados, o desmatamento para a aquicultura e o uso consolidado das Áreas de Preservação Permanente (APP).

Ele não avança em nada nos incentivos econômicos para alavancar o processo de adequação dos produtores rurais, seja por meio de crédito, redução de tributos ou serviços como assistência técnica.

Portanto, apelamos para que a o PL seja revisto a partir das contribuições da segunda Audiência Pública ou nos restará torcer para que São Paulo seja superado por leis mais robustas e inteligentes de outros Estados.

Luís Fernando Pinto é doutor em Agronomia, gerente do Imaflora e membro da Ashoka e da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais.


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