Folha de S. Paulo


Empréstimo, doação ou investimento?

Trezentas mil organizações não governamentais atuam hoje no país buscando reduzir as desigualdades sociais que impõem a linha da pobreza a mais de 20% da população brasileira. A missão torna-se ainda mais desafiadora quando se constata que estão disponíveis para todas estas organizações cerca de R$ 30 bilhões em doações ao ano, o que resulta em somente R$ 8 mil por instituição ao mês.

Fato é que essa quantia é insuficiente para a transformação social que o país precisa encarar. Buscar a diversificação dos mecanismos financeiros no e para o terceiro setor apresenta-se como um caminho interessante para driblar esse cenário pessimista.

Apesar de comuns nos setores público e privado, a utilização de empréstimos ainda é incipiente no setor social, o que pode acabar suscitando incertezas sobre como usar essa forma de financiamento de maneira correta. Uma pergunta que recebemos na SITAWI-Finanças do Bem com frequência é por que captar recursos via empréstimos se podemos captar doações (no caso de organizações sociais sem fins lucrativos). Ou ainda, por que pegar emprestado se podemos obter uma injeção de capital (pela venda de cotas ou ações, no caso de organizações com fins lucrativos)?

Na realidade, um não é melhor do que o outro, são formas de capital diferentes e, portanto, têm usos distintos: uma doação ou injeção de capital traz dinheiro "novo", um empréstimo traz capital existente do futuro para o presente (é uma ponte "de tempo", não de capital).

Focando no setor sem fins lucrativos, uma doação é uma forma de receita que aumenta o patrimônio da organização, mas gera expectativas de uso e reporte a quem aportou o capital. Já o empréstimo é um compromisso firmado pela organização tomadora de que pagará de volta ao emprestador. Dessa forma, cria-se uma despesa financeira para a organização (no caso, os juros). Porém, essa é uma despesa que pode ajudar a fortalecer a organização.

Por exemplo, uma organização que apoia artesãos a gerar renda através da construção de pontes com varejistas assinou um contrato para uma venda de mil peças para uma rede de lojas que paga noventa dias após a entrega. Para atender à demanda, a organização deve comprar matéria prima, pagar as pessoas envolvidas, arcar com outros gastos associados, efetuar a entrega e ainda esperar mais noventa dias para receber pelo produto entregue - totalizando um "descasamento" de 120 a 180 dias entre a saída e entrada de capital. Tudo isso coloca mais pressão em cima de um recurso já escasso nas organizações sociais: o dinheiro.

Em outras palavras, um empréstimo é adequado para resolver uma necessidade temporária de fluxo de caixa, de forma flexível. Dependendo do tamanho da organização, o rendimento financeiro sobre os recursos em reservas pode também ajudar no pagamento dos juros, minimizando o desembolso "líquido" e melhorando ainda mais a relação custo-benefício. No longo prazo, ter tomado e quitado um empréstimo pode gerar confiança adicional na organização, agregando valor ao histórico e abrindo novas oportunidades para a organização.

Na SITAWI, acreditamos que um empréstimo é uma ferramenta que amplia a oferta de produtos financeiros disponíveis às organizações sociais, complementando (não substituindo) doações ou geração de renda. É uma forma de dar mais flexibilidade e apoiar uma organização de sucesso a usar seus recursos financeiros de uma forma eficiente.

Rob Packer, 32, é gestor de portfólio na SITAWI há três anos. Atuou como portfolio manager na área de microcrédito do Kiva, tendo representado a organização em diferentes países latino-americanos. Trabalhou por cinco anos como Associate no Goldman Sachs. Graduado em "modern e medieval languages" pela Universidade de Cambridge.

Leonardo Letelier, 41, é fundador e diretor executivo da SITAWI. Possui 15 anos de experiência nos setores de negócios, finanças e social. Foi diretor da iniciativa Cidadania Econômica para Todos por dois anos, na Ashoka e trabalhou na McKinsey por oito anos. Tem MBA pela Harvard Business School e é engenheiro de produção pela USP.


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