Folha de S. Paulo


Para doar, brasileiro precisa superar desconfiança, aponta 'Diálogos'

Íntegra Diálogos Transformadores

Por que o brasileiro doa pouco? Para especialistas e filantropos que se reuniram nesta terça-feira (27) no "Diálogos Transformadores - Como Estimular a Cultura de Doação no Brasil", o brasileiro tem uma barreira a ser ultrapassada: a desconfiança.

Os participantes do evento realizado pela Folha em parceria com a Ashoka ampliaram o debate do atual cenário para apontar maneiras de fomentar a solidariedade no país.

Apesar de pesquisas indicarem que metade da população doa uma média de R$ 20 a R$ 40, acumulando um montante de R$ 13 bilhões ao ano, 88% das pessoas afirmam que não devem revelar publicamente a boa ação –uma barreira cultural, não comum em outros países.

Segundo Sérgio Petrilli, fundador do Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), a crise econômica e política deixou o brasileiro com o pé atrás na hora de decidir contribuir com uma causa.

Esse receio também foi apontado por Roberta Faria, editora-executiva da Editora Mol. "Quem é desconfiado vai continuar desconfiando, já que alguns não sabem como será utilizado o investimento do doador", afirmou. "É um trabalho em evolução ainda. Ser transparente, facilita essa troca para engajar quem doa. Se puder humanizar, melhor, contar histórias de vida."

A Mol, segundo Roberta, é a editora com maior impacto social do mundo no meio, responsável pela doação de R$ 23 milhões para 37 ONGs, valor proveniente da venda de revistas e livros.

Essa venda é feita no caixa, quando o funcionário pergunta se o cliente quer comprar uma revista e ajudar uma causa específica. A sensibilização é feita no questionamento: "Quer ajudar crianças com câncer comprando essa revista?"

Uma das publicações produzidas é a Sorria, que tem renda direcionada para o Graacc. "A revista completa dez anos e podemos dizer que foi responsável pela construção de boa parte do hospital do Graacc."

TERCEIRO SETOR

Com um trabalho que depende em grande parte da captação com doadores individuais, o Graacc já atendeu 7,5 milhões de crianças em 25 anos. "Um dos marcos da captação de recursos foi em 1993, quando entramos no McDia Feliz, um dos sinônimos do Graacc."

O tradicional evento com a venda de lanches foi definido por Francisco Neves, superintendente do Instituto Ronald McDonald, como único no mundo. Em 2017, foram captados R$ 25 milhões em doações na rede de fast-food, destinados a 65 instituições. "Foi mais do que o Criança Esperança [campanha anual promovida pela Unesco, em parceria com a Rede Globo] arrecadou na última campanha."

Segundo Paula Fabiani, diretora-presidente do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), organização pioneira de apoio à filantropia, é preciso buscar maior envolvimento da classe média, que em outros países é tradicionalmente o motor da cultura de doação.

Um outro nicho importante são os grandes doadores que podem investir vias fundos patrimoniais, como nos Estados Unidos. "A partir da crença de que todos devem doar, resolvemos nos dedicar aos grandes investidores, além da sociedade", afirma Paula.

Um dos casos inspiradores apresentados no evento foi o do filantropo Elie Horn, fundador da Cyrela e primeiro bilionário brasileiro a aderir ao The Giving Pledge, movimento mundial que reúne bilionários que doaram parte da fortuna em vida. Ele deu um testemunho em vídeo, no qual destacou que doar beneficia a todos. "A pessoa, quando doa, tem que saber que faz o bem para terceiros e para si."

Elie Horn

Presidente da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, o médico e filantropo José Luiz Setúbal, foi um dos debatedores desta edição do Diálogos Transformadores, realizado no auditório da Pinacoteca do Estado, com a presença de 150 pessoas na plateia.

"Filantropia é como uma droga. Quando você experimenta não consegue mais largar", disse Setúbal, também ex-provedor da Santa Casa e um dos herdeiros do banco Itaú.

Ele relatou os argumentos que costuma usar para tentar convencer grandes investidores brasileiros a se tornarem filantropos. "Falo que, do mesmo jeito que eles escolhem os fornecedores, têm que escolher para quem doar. Cada um tem que escolher a sua causa."

DE GRÃO EM GRÃO

Nina Valentini, cofundadora do Arredondar, destacou o trabalho de formiguinha para mudar a legislação e ampliar o impacto do movimento que capta microdoações a partir do troco no grande varejo que são distribuídas para uma rede de organizações sociais previamente selecionadas.

"Temos um mapa tributário complexo. Queremos chegar a todos os locais do Brasil, mas ainda existem barreiras em dez Estados."

De centavo em centavo, o Arredondar já arrecadou R$ 1,86 milhão destinados a 32 organizações.

O valor da doação não é mais importante. Segundo Petrilli, 63% do do Graacc] são de pessoas físicas. "Vêm de gente que doam um pouquinho todo mês." A média é de R$ 15, que resultam nos R$ 50 milhões arrecadados por ano pela instituição em uma base de 330 mil doadores.

Um deles é Paulo Unger Ibri, gerente de marketing, que trouxe seu caso inspirador sobre a colaboração que faz mensalmente, ao destinar parte do seu salário para instituições como o Graacc e Médicos Sem Fronteiras.

"Doação é um hábito. Tive sorte por ter influência dos meus pais. Os mais jovens precisam ser incentivados, é um ato que deve começar cedo."

Do outro lado da mesa, o Banco de Alimentos depende de doações para sobreviver. O caso inspirador foi apresentado pela fundadora da organização Luciana Quintão. Com custo mensal de R$ 100 mil e sem convênios com governos, o Banco de Alimentos já doou 70 milhões de pratos para brasileiros necessitados no Brasil.

"Jogamos um terço de comida no lixo, isso é absurdo. Temos que investir no ser humano, em educação. Consciência é a palavra chave para evolução social."

Essa consciência passa pela educação. "Nos Estados Unidos, este tipo de conteúdo é levado nas escolas para criar a cultura de doação", disse a presidente do Idis. "Fortalecer a sociedade civil via doação é muito importante."

O tema desta oitava edição da série Diálogos Transformadores, Como Estimular a Cultura de Doação no Brasil, foi apresentado pela Editora Mol, e contou com o apoio do Idis, da Fundação José Luiz Egydio Setúbal e do Instituto Cyrela.


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