Folha de S. Paulo


Para estimular doações, grafiteiro espalha mensagens nos muros de SP

"Quem doa vive mais." A frase escrita em branco, sobre um muro vermelho, no bairro Higienópolis, em São Paulo, chama a atenção para um assunto latente: a importância de estimular a cultura de doação no Brasil.

"Ajudar alguém é revigorante e o bem-estar gerado por essa ação pode ser uma motivação genuína para que as pessoas doem mais", diz o artista visual Pedro Frazão, autor do grafite, repetido em 40 espaços públicos na cidade.

Aos 38 anos, pai de um menino de 6, Pedro sofre com um problema renal congênito e entrou na fila de espera por um rim há quatro meses. Ao conviver desde criança com o universo da doação de órgãos, ao ver a mãe receber um transplante e ter dois irmãos com a mesma doença, o artista acabou se envolvendo com o tema em diversas esferas.

Ele colabora mensalmente, há cinco anos, com a associação humanitária Médicos Sem Fronteiras e encontrou na cultura de doação uma causa para estampar muros, paredes e postes com mensagens curtas, como "Doe +", além da frase que associa generosidade a longevidade.

"O sentimento de satisfação de quem doa é real. Não conheço ninguém que colabore com uma causa ou passe o dia distribuindo comida nas ruas que não chegue em casa sorrindo",afirma ele, reforçando a máxima de que "quem ajuda o outro ajuda a si mesmo".

SATISFAÇÃO PESSOAL

O bem-estar gerado pelo ato de doar é, de fato, a principal motivação dos brasileiros para fazer doações, conforme a pesquisa Country Giving Report Brasil, realizada em 2017 pela Charities Aid Foundation, com sede no Reino Unido.

O estudo revelou que 68% dos brasileiros fizeram alguma doação em dinheiro no ano anterior e metade deles foi movida pelo desejo de satisfação pessoal.

"O altruísmo traz bem-estar, as pessoas sentem prazer ao sentir que estão fazendo parte de algo maior", diz Paula Fabiani, diretora-presidente do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), responsável pela realização da pesquisa no Brasil.

Ela será uma das protagonistas da primeira edição de 2018 da série "Diálogos Transformadores", que vai abordar o tema "Como Estimular a Cultura de Doação no Brasil", na terça-feira (27), no auditório da Pinacoteca, em São Paulo.

Realizado pela Folha em parceria com a Ashoka, o evento multimídia mistura entrevista e debate com empreendedores sociais, especialistas e filantropos para discutir e apontar caminhos para estimular a cultura de doação no país, tema apresentado pela Editora Mol. Esta edição conta com o apoio do Idis, do Instituto Cyrela e da Fundação José Egydio Setúbal.

Embora 46% dos brasileiros façam doações em dinheiro, segundo dados do Idis (2015), a cultura de doação ainda carece de incentivo. O país esta em 75º lugar, entre 139, no World Giving Index 2017, ranking de solidariedade que aponta se os cidadãos doaram dinheiro, fizeram trabalho voluntário ou ajudaram um desconhecido.

Além da satisfação pessoal, duas outras razões que levam o brasileiro a doar são a defesa de uma causa (41%) e a crença de que todos devem ajudar a resolver os problemas sociais (40%).

PESSOA FÍSICA

Entre os doadores pessoa física, o gerente de marketing Paulo Unger Ibri, 30, representa uma nova geração de agentes transformadores nesse cenário. Há dois anos, ele decidiu doar uma porcentagem de seu salário para instituições sociais, da mesma forma que dedica uma parte a investimentos.

"Sentir que estou colaborando com uma causa, ajudando pessoas que sequer conheço, é algo que alimenta o espírito", diz ele. A motivação veio do exemplo dos pais. Quando criança, Paulo costumava ver a mãe preparar comida a mais para oferecer aos vizinhos que tinham menos. Seu pai, administrador de empresas, ainda hoje distribui cestas básicas na Vila Brasilândia, bairro da zona norte de São Paulo.

O gerente pesquisou diversas instituições e se decidiu por duas. Entre elas, o Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e a Criança com Câncer) –e atua com 60% dos recursos vindos da doação de pessoas físicas. Grandes filantropos, como Bill Gates, também são fonte de inspiração. "Doar é um gesto de pessoas de sucesso", diz ele.

O exemplo de Paulo será apresentado nesta edição do "Diálogos Transformadores" como um dos casos inspiradores, ao lado de Luciana Quintão, fundadora do Banco de Alimentos, beneficiário de doações; de Nina Valentini, cofundadora do Arredondar, que viabiliza microdoações no varejo; e Francisco Neves, superintendente do Instituto Ronald McDonald.

Participam ainda do debate Roberta Faria, diretora-executiva da Editora Mol, pioneira em modelo de negócio que já transferiu R$ 22 milhões em doações para ONGs; e Sérgio Petrilli, fundador do Graacc, que depende de doadores.

FILANTROPOS

O filantropo José Luiz Setúbal, ex-mantenedor da Santa Casa de São Paulo e presidente da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, também participa do evento. Para ele, as novas gerações é que vão contribuir para a evolução da cultura de doação no país. "Ainda não temos um grande espírito de comunidade, principalmente entre os mais velhos. Os jovens de 20, 30 anos já demonstram uma nova mentalidade."

O quinto dos sete filhos de Olavo Setúbal, um dos fundadores do Itaú, fugiu à vocação natural da família para se dedicar à pediatria e à filantropia. "Abandonei as coisas para abraçar as causas", diz. O filantropo conta que conhece todas as desculpas de quem não deseja doar. As principais: "Não confio em tal instituição", "Já pago muitos impostos" ou "A lei não favorece".

Ele ainda polemiza, ao dizer que "redução de impostos não é doação", embora facilite as captações. "Doar é tirar do bolso, é dedicar tempo, expertise, doar algo de fato."

Além de manter a fundação que leva seu nome, Setúbal diz que "faz a alegria dos captadores", simpatizando com diversas causas. "Uma pessoa que anda por São Paulo, hoje, e não se comove diante da brutal desigualdade nas ruas é alguém insensível", diz.

Daí a utilidade pública dos grafites de Pedro Frazão, com a intenção de mexer com os sentimentos de quem passa desavisado por um muro qualquer. "Doação tem de ser pauta política. Quanto mais falarmos sobre o tema nas escolas, nas ruas, mais vamos fortalecer o ato de doar", completa o artista.


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