Folha de S. Paulo


Millennials creem ser parte da solução de questões sociais, diz economista

Geração após geração, os mais jovens sempre almejam mudar mundo. Os millennials (pessoas com idade entre 17 e 37 anos), no entanto, têm sido mais ativos para que a mudança de fato aconteça.

É a opinião de Bruce Usher, codiretor no Centro Tamer para Empresa Social da Universidade Columbia, uma das mais prestigiadas dos Estados Unidos. "Eles não querem esperar o governo resolver os problemas, mas estar envolvidos ativamente", disse em entrevista exclusiva à Folha.

Para ele, que tem MBA em administração por Harvard, já trabalhou em bancos de investimento e hoje investe em iniciativas de impacto e dá aulas sobre o assunto, essa geração entende "muito melhor como empresas e sociedade interagem."

A universidade americana tem um escritório no Brasil e estuda o contexto do investimento de impacto do país e como a educação pode alavancar o setor.

Patricia Stavis/Folhapress
Bruce Usher, codiretor no Centro Tamer para Empresa Social da Universidade Columbia
Bruce Usher, codiretor no Centro Tamer para Empresa Social da Universidade Columbia

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Folha - Em que contexto o investimento de impacto se insere atualmente?
Bruce Usher - Os empreendimentos sociais estão usando habilidades dos negócios para resolver problemas sociais. Essa ideia é relativamente nova. Por volta de 15, 20 anos atrás, essa ideia de que poderíamos usar essas habilidades dos negócios para gerenciar organizações sem fins lucrativos de forma mais eficiente não existia. Investimento de impacto é uma parte disso.

Começou em 2007, foi a primeira ideia de investimento de impacto, e a definição é bem simples, mas seu contexto é complexo. A definição é investir capital para solucionar problemas sociais, tanto em negócios com lucro ou em negócios sem fins lucrativos.

Não se espera muito retorno. Na verdade, deseja-se usar o capital de maneira muito eficiente. Nos EUA, inicialmente, houve muito interesse nessa ideia, mas demorou para se desenvolver, levou muitos anos. As pessoas são muito cautelosas na hora de aplicar seu dinheiro.

Hoje, no entanto, tornou-se o que chamo de espectro do investimento de impacto. De um lado, há a filantropia, muito tradicional. Há o que chamam de 'impacto primeiro', investidores que não pensam no retorno do investimento, estão apenas observando o verdadeiro impacto. Existe o investimento temático, quando o investidor está preocupado com um assunto específico e direciona o dinheiro para isso. Há também o investimento sustentável, que usa os fatores ESG (Ambiental, Social e de Governança, na sigla em inglês).

Isso é feito nos EUA por muitos fundos grandes porque tem o benefício social, mas também porque acham que conseguem um retorno financeiro muito bom. O último setor é o de investimento responsável, que não investe em empresas consideradas ruins.

Quando se fala de investimento de impacto, é na verdade um espectro de atividades.

Quais são os maiores desafios para tornar o investimento de impacto atrativo?
O maior desafio é o pensamento clássico, que diz que o objetivo da vida é ter muito lucro e, se tiver sucesso, doar uma parte. Faz-se dinheiro e se faz filantropia. Isso tem existido há cem anos.

Agora, estamos falando que há algo diferente. Não é preciso apenas fazer dinheiro e doar, mas nos negócios é possível também haver impacto. Há todo um rol de atividades que podem ser feitas. Então esse modo de pensar é novo, mas também é complexo e é diferente do que as pessoas estão acostumadas. Há um pouco de ceticismo, talvez um pouco de confusão.

Como fazer as pessoas compreenderem esse novo pensamento?
Com exemplos. Há instituições que já fazem isso, é possível aprender com elas, mas a melhor maneira é tentando e por meio da educação. Uma das perguntas é por quê: 'Por que estamos ensinando isso? De onde está vindo?'.

A maioria dessas atividades estão ganhando espaço porque a geração mais nova, os millennials –pessoas que hoje têm entre 17 e 37 anos– estão muito interessados.

Vemos nas escolas de administração que os estudantes levam isso muito a sério, então precisamos oferecer aulas, conhecimento. Como isso cresceu, começamos a pensar também fora dos EUA. O Columbia Global Center tem escritórios em oito países, inclusive no Brasil.

Esse interesse dos millennials foi algo trazido pela universidade ou partiu deles?
Foi uma demanda deles. Não tenho uma resposta definitiva [do porquê], mas tenho algumas ideias. Uma é que as pessoas mais novas hoje estão muito mais conscientes, têm muito mais informação sobre os desafios para a sociedade e têm também possíveis soluções.

Em segundo lugar, acho que eles realmente acreditam que são parte da solução, não querem esperar o governo resolver os problemas, mas estar envolvidos ativamente. Eles entendem muito melhor como empresas e sociedade interagem.

Como a educação tradicional responde a essa demanda?
Oferecendo mais cursos. Quando comecei a dar aulas nessa área mais de dez anos atrás, tínhamos três ou quatro disciplinas e hoje temos 22. Em termos de aprendizado prático, oferecendo mais oportunidades para alunos terem experiências nesse campo.

Qual o papel da universidade para alavancar esse campo, além do educacional?
É o que chamamos de liderança de pensamento. As universidades têm um papel muito importante a desempenhar. Somos imparcial e, por causa disso, há muita influência se a universidade decide tomar uma certa direção, especialmente as escolas de administração. Elas são muito tradicionais e, na verdade, bem conservadoras. A de Columbia é assim.

Acredito que quando vamos nessa direção, enviamos um sinal para a comunidade empresarial de que isso é sério e importante. Especialmente porque os mais importantes líderes dessa comunidade são indivíduos mais velhos, em sua maioria, e isso não existia quando eles estudaram. É importante que estejamos fazendo apresentações, publicando artigos sobre o que está acontecendo.

Como você avalia o contexto brasileiro?
A comunidade brasileira de investidores é representada fortemente por famílias ainda muito envolvidas no gerenciamento das empresas. Já existe muito interesse no assunto, mas, por outro lado, o nível real de atividade está abaixo do esperado.

O número de fundos de impacto ainda é pequeno, o volume investido ainda é muito pequeno. E há muito capital no Brasil e, claro, muitas oportunidades para investir capital dessa forma.

Além do pensamento clássico, que outros desafios existem no Brasil para o desenvolvimento da área?
Acredito que o pensamento clássico é o grande desafio aqui e em outros lugares com uma economia avançada. Precisamos de mais empreendedores sociais porque investimento de impacto só obtém sucesso se houver empreendedores sociais talentosos tanto em gerenciar empresas como em solucionar problemas sociais.

Investir é desafiador. Mudar o mundo é desafiador também. Para combinar os dois, é preciso de pessoas muito talentosas.

Como incentivar essa área no Brasil?
Claro, educação é importante. Encontramos algumas pessoas aqui que já estão fazendo isso, mas é importante continuar. Quando a mídia está ciente disso também é sempre importante. É preciso políticas públicas que permitam esse desenvolvimento e, mais importante, que empresários, investidores se envolvam. No fim do dia, é preciso apenas fazer.

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Raio-X

FORMAÇÃO
Graduado em comércio, possui MBA em administração pela Universidade Harvard

CARREIRA
Com atuação em bancos de investimento nos anos 1990, cofundou empresa de serviços financeiros e, em 2002, entrou para o empreendedorismo social na empresa EcoSecurities, comprada pelo banco JP Morgan em 2009. É co-diretor do Centro Tamer para Empresa Social Universidade Columbia desde 2011, onde é professor desde 2015


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