Folha de S. Paulo


Vencedor do Prêmio Empreendedor Social divide conquista com detentos

"Me sinto muito pequeno diante da grandeza das pessoas que estão aqui", disse Valdeci Ferreira, 55, ao vencer o Prêmio Empreendedor Social, na segunda-feira (6), em São Paulo.

Ele lidera um projeto que de pequeno não tem nada: a Fbac, federação que congrega uma franquia de 48 prisões humanizadas no Brasil, as Apacs (Associações de Proteção e Assistência aos Condenados). O método inovador de ressocialização de prisioneiros está presente em mais 19 países.

Outro números explicam a grandeza. A reincidência nessas unidades sem armas nem guardas é de 20% a 28% –contra 85% no sistema prisional comum– ao custo de um terço do preço.

Ao receber o troféu, o empreendedor quis compartilhar os louros. "É resultado de um trabalho de muitas mãos, de muita gente que acredita na recuperação do ser humano", disse ele. "Gente que busca a proteção da sociedade, que se empenha para socorrer as vítimas e acredita efetivamente na justiça restauradora."

Ferreira dividiu o momento ainda com os "todos os recuperandos que passaram pela Apac e os que continuam lá e são a razão de ser da nossa obra e da renúncia que fiz na minha vida."

Ele foi escolhido entre os 160 inscritos no maior concurso da área na América Latina, realizado pela Folha, em parceria com a Fundação Schwab.

Para Sergio Andrade, vencedor do Prêmio Empreendedor Social 2015 e um dos jurados desta edição, há um importante debate por trás da premiação, "algo que o Brasil procura esconder".

"[O vencedor deste ano] evidencia umas das polêmicas mais fortes que nós observamos hoje que é como tratar detentos", disse Andrade.

"Para além de uma vingança, que normalmente caracteriza a maneira como nos relacionamos com essas pessoas, temos que perguntar como se reintegra. E a Apac tem uma maneira eficiente e estratégica de lidar com o problema público."

A ex-consulesa da França Alexandra Loras foi jurada na edição de 2016 do prêmio. Desta vez, na plateia, disse que é preciso promover esse empreendedorismo que agrega valor para toda a sociedade. "Ao invés de só entregar prêmios para grandes CEOs e pessoas que já conseguiram ascender socialmente."

EMPREENDEDOR DE FUTURO

Na categoria para líderes com menos de 35 anos, Ralf Toenjes, 26, mostrou que tem visão. E tirou os óculos para a foto com o troféu.

Ele criou a ONG Renovatio, que leva óculos e consultas oftalmológicas a lugares e pessoas sem acesso a esse serviço. Para manter as doações, a VerBem, também de Toenjes, vende o produto a preços populares, inspirada no modelo alemão OneDollarGlasses.

"Eram 15 mil, mas hoje estamos batendo 17 mil óculos [doados] em 19 Estados", disse ao relação ao aumento do número de pares distribuídos na época de avaliação.

Ele lembrou ainda de casos atendidos pelo projeto. Como o de dona Susana, 66, no Repartimento do Tuiué, em Manacapuru (AM). "Vencer esse prêmio é lembrar dela, que tem 15 filhos, 56 netos e muitos bisnetos e encarou, com outros cinco da família, 5h30 de barco para ser atendida por nós."

Todos saíram de óculos. "Ela conseguiu voltar a costurar depois de dez anos. É incrível que algo tão simples e barato pode fazer uma família ter renda de novo, quando voltam a enxergar."

Olhando para frente, o próximo passo de Toenjes é atingir 1 milhão de pessoas até 2021. "Quero mais gente comigo compartilhando esse sonho", disse o empreendedor ao final da cerimônia.

VOTO POPULAR

Com recorde de engajamento, a categoria Escolha do Leitor premiou Hamilton da Silva, 29, idealizador do Saladorama. Ele foi o mais querido do público, angariando 56% dos mais de 390 mil votos.

"Eu votei muito em mim", brincou, ao receber o troféu. "Minha mãe e meus amigos também votaram muito."

Silva impacta mais do que os amigos e a família. Sua franquia de delivery e restaurantes leva opções de comida saudáveis para favelas em cinco Estados do país.

Além de vender salada a baixo custo para pessoas sem acesso a esse tipo de alimentação, seu projeto ainda capacita e emprega funcionários da própria comunidade, além de transsexuais e travestis –em parceria com uma ONG recifense.

Nascido na periferia, Silva pretende fazer uma diferença ainda maior. "Após 13 anos, sou o primeiro negro a vencer esse prêmio. Era preciso mostrar que é possível. Acredito que estou abrindo as portas para que vários outros venham", disse em seu discurso.

Na plateia, Luiza Brunet, veterana no evento, disse que sempre se surpreende com os projetos. "Dessa vez fiquei mais impressionada com a qualidade e a viabilidade das iniciativas, do fazer acontecer", disse. "Vemos que realmente é só abraçar a causa e tornar possível."

Para Valter Coelho de Sá, diretor-executivo de Gestão de Pessoas, Controladoria e Logística da Fundação Banco do Brasil, patrocinadora exclusiva da Escolha do Leitor, os empreendedores precisam de estímulo para "fazer face aos problemas sociais e um evento de amplitude nacional colabora para isso."

O editor-executivo da Folha, Sérgio Dávila, acompanha as cerimônias do prêmio desde 2010, e definiu a 13ª edição como "catártica". "Os premiados, sem dúvidas, atacam problemas que afligem o país, como a questão dos presidiários e da alimentação saudável."

O Prêmio Empreendedor Social tem patrocínio de Coca-Cola, IEL, uma iniciativa da CNI (Confederação Nacional da Indústria) e Fundação Banco do Brasil. Conta com a Latam como transportadora oficial e o apoio do Instituto C&A e do Teatro Porto Seguro. ESPM, Fundação Dom Cabral, Insper e UOL são parceiros estratégicos.


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