Folha de S. Paulo


Segurança alimentar global cai pela primeira vez após 4 anos

Ricardo Matsukawa/UOL/Folhapress
Atividade sobre alimentação sustentável e ciclo do alimento no Positive Ventures, em São Paulo
Atividade sobre alimentação sustentável e ciclo do alimento no Positive Ventures, em São Paulo

Seis em cada dez países registraram queda na segurança alimentar no ano passado, segundo a nova edição do Índice Global de Segurança Alimentar do The Economist Unit, lançado nesta terça-feira (24), durante a Conferência Ethos 360º.

O estudo avalia o acesso físico, social e econômico a alimentos suficientes e nutritivos, que atendam às necessidades diárias para uma vida saudável, em 133 países.

A piora na disponibilidade, segurança e qualidade dos alimentos consumidos, após quatro anos consecutivos de bons resultados, é consequência da instabilidade política, do crescimento da migração e da diminuição nos investimentos públicos, segundo os pesquisadores.

Os Estados Unidos, que seguidamente era o mais seguro, perderam a primeira posição no ranking para a Irlanda.

O país europeu foi impulsionado pela sua recuperação econômica após a crise entre 2008 e 2010 e pelos altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, área em que os norte-americanos apresentaram declínio.

"Os EUA foram uma das maiores decepções dos últimos tempos", diz Katherine Stewart, editora do relatório. "A combinação de migrações em massa com a perda de terras disponíveis para cultivo é prejudicial para a segurança alimentar global."

Os pesquisadores alertam que a primeira quebra em cinco anos dificulta o compromisso global de eliminar a fome até 2030, firmado em 2015 pelos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), da ONU (Organização das Nações Unidas).

O custo envolvido para cumprir essa meta exigiria US$ 11 bilhões de investimento público extra por ano, de acordo com as estimativas do Instituto Internacional de Pesquisa em Políticas Alimentares e do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável.

Esse valor é menor que um décimo do custo estimado para recuperação do Texas, nos EUA, após o furacão Harvey.

O índice do The Economist, nesta edição, inclui ainda uma nova categoria, de recursos naturais e resiliência, para evidenciar a relação entre o clima e os recursos naturais na segurança alimentar, a exemplo de secas ou inundações para a agricultura e pecuária.

Segundo o relatório, tanto países desenvolvidos quanto subdesenvolvidos estão vulneráveis. Singapura, nação desenvolvida e com alta renda, por exemplo, não alcançou uma boa nota no ranking pela dependência das importações agrícolas.

Nas últimas posições estão Burundi, Congo, Madagascar, Chad e Serra Leoa, todos do continente africano.

BRASIL

O Brasil manteve a posição no ranking, 38º, constante ao longo dos últimos cinco anos.

O país tem como vantagem a baixa dependência da importação de commodities agrícolas. No ano passado, esses produtos representaram apenas 6,2% do total das importações.

A pesquisa alerta, porém, que os cortes no orçamento dedicado ao gerenciamento de riscos agrícolas podem comprometer a independência do país no setor. O governo diminuiu 45,6% do orçamento aprovado para 2017 do Ministério da Agricultura.

Para Marcio Zanetti, diretor do The Economist Intelligence Unit no Brasil, o corte compromete, principalmente, censores de captura e projeção de centros de monitoramento de mudanças climáticas, que vem recebendo menos aporte e a distribuição de crédito para agricultura familiar.

Hoje o sistema de gerenciamento de riscos do Brasil é o mais robusto da América Latina. Mesmo assim, o país ficou em 4º lugar na região, atrás do Uruguai, Paraguai e Argentina, que tem maior disponibilidade de alimentos.

Quando se fala de conceder crédito, o cenário é pior. A agricultura é responsável por 20% do PIB (Produto Interno Bruto), mas apenas 1% dos créditos no país vão para o setor, enquanto o Uruguai, por exemplo, investe 15%.

"O acesso é insuficiente. Os pequenos produtores não conseguem investir em tecnologia. Sem poder comprar sementes mais resilientes a mudanças climáticas, por exemplo, ele começa a expandir o local de plantação, pra ter manter a mesma quantidade de produção, degradando novas áreas", diz Zanetti.

Nas exportações, o Brasil foi destaque em soja (US$ 19,3 bilhões), cana-de-açúcar (US$ 10,4 bilhões) e carne (US$ 6,1 bilhões), de acordo com dados da OMC (Organização Mundial do Comércio) em 2016. É também uma das nações mais produtivas no mercado de pescado e aquicultura, que garante renda para 3,5 milhões de pessoas.

O país está, no entanto, suscetível aos impactos das mudanças climáticas, como todo o mundo. De acordo com o estudo, o aumento da temperatura pode resultar em alterações no volume das chuvas e prejudicar algumas culturas, como a do café, até 2050.

Para Maurício Antônio Lopes, presidente da Embrapa, a integração entre lavoura, pecuária e floresta é o caminho que pode levar o país para o topo do ranking.

"Há um potencial extraordinário. São 60 milhões de hectares de pasto degradado pela pecuária. Mas 11,5 milhões de hectares já fazem a integração entre as três produções e isso ajuda a recuperar áreas", diz Lopes.

Para ele, os produtores não pensam mais em expandir a produção agrícola em áreas de floresta ou cerrado. "Estamos seguindo a lógica do Código Florestal e criando um novo paradigma de conduta no agronegócio."

SOLUÇÕES

Para a editora do relatório, os países só conseguirão amenizar e se adaptar aos riscos à segurança alimentar, quando unirem governo, setor privado e organizações não governamentais.

"Os governos precisam investir em estratégias de redução de riscos de desastres naturais. Setores públicos e privados devem trabalhar em conjunto para fornecer investimentos financeiros e as inovações necessárias para garantir que o suprimento de alimentos seja suficiente para atender às necessidades da crescente população global," diz Stewart.

Caio Magri, diretor presidente do Instituto Ethos, vê o programa Fome Zero, implementado em 2003 pelo então presidente Lula, como um exemplo.

"Esse programa virou uma bandeira da ONU nos ODS e mostra a capacidade do Brasil de unir empresas, sociedade e governo para erradicar a fome", afirma Magri.

Para os pesquisadores, não há, no relatório da ONU, uma metodologia para se chegar aos objetivos. Cada país precisa criar seu plano de ação. "As autoridades precisam agir logo ou os desafios em segurança alimentar serão ainda maiores", diz Robert Powell, consultor sênior do The Economist Intelligence Unit.


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