Folha de S. Paulo


Em nova estratégia, Ford investe em negócios de impacto em mobilidade

Oswaldo Corneti/Fotos Públicas
Congestionamento automóveis em São Paulo
Congestionamento automóveis em São Paulo

"Não somos mais uma empresa que vende carros, mas que fornece soluções de mobilidade", afirma Jim Vella, presidente da Ford Fund, braço filantrópico da montadora americana, cargo que ocupa há dez anos.

Ele explica que a estratégia da empresa está mudando, assim como mundo. "Há as mudanças na indústria, na sociedade e na política. Mas é preciso lidar com isso coletivamente."

Como parte desse novo rumo, a fundação lançou nesta quarta-feira (14), na Campus Party Brasília, uma parceria inédita com a Artemisia, o Ford Fund Lab: Inovação e Mobilidade.

"É o primeiro projeto de mobilidade social que estamos fazendo por meio da Ford Fund no mundo", diz. "Não é apenas um investimento típico em uma organização sem fins lucrativos, mas um programa de aceleração de curto prazo."

Em entrevista, ele esclarece a escolha do país e do assunto, parte do tripé de atuação da organização. "Um dos maiores problemas que vemos na base da pirâmide, que impede as pessoas de avançar, é mobilidade."

Divulgação
Jim Vella, presidente da Ford Fund, braço filantrópico da montadora americana
Jim Vella, presidente da Ford Fund, braço filantrópico da montadora americana

*

Folha - Como a fundação foi criada?
Jim Vella - Está na história e no DNA da Ford dar um retorno para a comunidade onde atua. Sempre fomos uma empresa que fez mais que construir ótimos carros e caminhões. Em 1949, Henry Ford 2º percebeu que era preciso formalizar o trabalho [filantrópico] e falou sobre reconhecer uma lacuna no mundo entre o que as pessoas podem fornecer para elas mesmas e o que governos e sociedade fornecem. E aí as empresas tinham a responsabilidade de ajudar a diminuir essa lacuna. De lá para cá, saímos de uma atuação localizada em Detroit para 49 países.

Em que áreas a fundação atua?
Focamos três áreas chaves desde aquela época, que são educação, mobilidade segura e inteligente e necessidades comunitárias. Educação fornece o básico para sociedades fortes. A empresa sempre percebeu que para ter um negócio sólido, é preciso ter uma comunidade sólida. Sem isso não há clientes, empregados, revendedores, investidores. Queremos realmente trabalhar na construção de uma pegada global da nossa filantropia que, assim como nossos veículos, tenha atributos básicos que digam "isso é Ford". O propósito não é apenas produzir carros e caminhões, mas é tornar a vida das pessoas melhor.

Por que investir no Brasil em mobilidade?
É o primeiro projeto de mobilidade social que estamos fazendo por meio da Ford Fund no mundo. Não é apenas um investimento típico em uma organização sem fins lucrativos, mas um programa de aceleração de curto prazo, apoiando empreendedores sociais com soluções de mobilidade em diferentes estágios de desenvolvimento. Aqui no Brasil, há um time de mobilidade multidisciplinar que trouxe essa ideia e pensou na Artemisia como parceira. A conversa começou e construímos esse programa com eles.

Qual o objetivo?
É identificar negócios sociais promissores e ajudá-los a refinar suas soluções e escalar em um esforço para fornecer mais acesso a serviços e direitos básicos. É o primeiro laboratório de mobilidade da Ford Fund no mundo e esperamos fornecer treinamento e mentoria para 20 startups sociais focadas em mobilidade.

Por que investir em negócios de impacto em mobilidade?
Um dos maiores problemas que vemos na base da pirâmide, que impede as pessoas de avançar, é mobilidade. Não há dúvidas sobre a importância do assunto. Na minha visão, quando falamos da base da pirâmide que não consegue avançar, é uma lacuna de oportunidade. Não é que eles não tenham desejo, determinação, talento, habilidades, é que talvez eles não tenham oportunidades de educação, acesso a saúde, alfabetização financeira, todas essas coisas básicas para avançar.

Como funcionará o programa?
A primeira parte será o desenvolvimento de uma tese de impacto em mobilidade. O time trabalhará em pesquisa para identificar as barreiras de acesso. A segunda parte será um laboratório de aceleração de curta duração, onde vamos identificar e trabalhar com empreendedores nesse campo que já tenham um protótipo, uma ideia, e isso será um modelo de inovação social aberto. Queremos saber quais as necessidades da comunidade, não vamos dizer que temos solução. A ideia claramente é mover essa discussão de usar mobilidade inteligente e as lições que estamos aprendendo para impactar a mobilidade social.

Quanto vai ser investido no programa?
Não estamos falando de números. Mas o valor do projeto não está no dinheiro investido, mas nos resultados alcançados.

Mobilidade no Brasil inclui meio urbano, rural e pluvial. Há um foco para o programa? Essa variedade está sendo considerada?
Mesmo que sejam diferentes, há uma parte em comum. Para nós, mobilidade é qualidade de vida e é disso que esses projetos vão tratar. Não queremos 20 projetos baseados em São Paulo e não sabemos qual é a resposta [para o problema da mobilidade]. Não estamos colocando nenhum predeterminante, vamos deixar o mercado de empreendedorismo social determinar as soluções. Esperamos ter uma mistura de projetos que identifica esses diferentes cenários.

Não é contraditório a Ford investir em mobilidade, o que pode, no fim, diminuir a necessidade de as pessoas terem carros?
Primeiramente, nosso objetivo é tornar a vida das pessoas melhor. Algumas dessas soluções talvez sejam para pessoas que não podem comprar nosso produto. Precisamos de uma abordagem holística para solucionar alguns desses problemas. Se não fizermos isso, será mais difícil continuarmos a fabricar esses produtos. É preciso lembrar também que nosso negócio está mudando. Não somos mais uma empresa que vende carros, mas que fornece soluções de mobilidade. E essa pergunta nos é feita o tempo todo, principalmente internamente.

Como vocês lidam com mudanças tão profundas e rápidas, somadas ao impacto social?
É um assunto complicado, sem dúvidas. Nos perguntamos se estamos indo rápido o suficiente, rápido demais ou na direção certa. Isso é jogar um xadrez tridimensional. Há as mudanças na indústria, na sociedade e na política. Mas é preciso lidar com isso coletivamente. Reconhecemos que não temos todas as soluções, algo que não poderia ser visto na Ford dez anos atrás. O mundo está mudando, há muitas oportunidades e desafios, mas é preciso começar em algum lugar. Sei que não vamos encontrar todas as soluções de uma vez.


Endereço da página: