Folha de S. Paulo


Com 115 mil queixas de crimes digitais, Brasil precisa de mais educação e leis

Em 2016, cerca de 115 mil denúncias de crimes digitais foram registradas pela Policia Federal, Ministério dos Direitos Humanos e pela ONG SaferNet. Pornografia infantil, racismo e apologia e incitação de crimes contra a vida ficam na frente no número de páginas denunciadas, segundo os dados compilados.

De acordo com especialistas e empreendedores sociais que participaram do debate "Diálogos Transformadores - Tecnologia e Internet: Uso Responsável", realizado pela Folha em parceria com a Ashoka, em 30 de maio, os dados são reflexo da sociedade brasileira, cada vez mais violenta, e a solução passa por políticas públicas de educação digital e mudanças na legislação.

"Crimes digitais têm refletido o contexto da sociedade brasileira de intolerância", diz Rodrigo Nejm, doutor em psicologia social e diretor de educação da SaferNet. "Não é a internet que é perigosa. Ela reflete as violências."

Para Nejm é um equívoco achar que as novas gerações têm "naturalmente" um domínio sobre a tecnologia para usá-la de forma mais responsável. "A gente está confundindo horas e intensidade de uso com outras qualidades e habilidades", diz ele. "Maturidade, capacidade crítica, discernimento, noções básicas de cidadania, ninguém aprende sozinho apertando botão."

Criadora do Barco Hacker, que usa a tecnologia para integrar comunidades ribeirinhas na região Amazônica, Kamila Brito convive com essa realidade. "As pessoas têm celular, acesso à informação, um pacote de dados, mas não sabem como utilizar aquela ferramenta de forma que favoreça a comunidade."

Para Elizabeth Veloso, consultora da Câmara dos Deputados para a área de ciência, tecnologia, comunicação e informática, a internet é um direito humano. "Ela é o grande fator de segregação política, de cidadania, de economia do nosso país e nós não temos uma única política pública de internet."

O foco, segundo ela, deve ser a educação digital.

Opinião compartilhada por Rodrigo Baggio, fundador da Recode, ONG pioneira em projetos de inclusão digital na América Latina, para quem a educação levará ao melhor uso da tecnologia e à consequente transformação social, o que ele chama de "empoderamento digital".

"Temos que promover essa cultura ética e empreendedora para as pessoas usarem a tecnologia como uma ferramenta cidadã, de transformação da sociedade, das pessoas, gerando uma nova democracia", diz ele.
Baggio também falou sobre a importância de tecnologias cívicas, que oferecem instrumentos para que a política esteja a serviço do cidadão. "A gente precisa continuar inspirando as pessoas a criarem tecnologias para hackear o sistema político."

Um dos exemplos de tecnologia a serviço do bem é a plataforma criada por Michael Kapps, russo radicado no Brasil. O Tá.Na.Hora Saúde Digital atua em parceria com o poder público e empresas para informar, monitorar e interagir com pacientes por meio de mensagens SMS.

"Estou tentando hackear comportamentos, entender o máximo possível sobre o usuário, porque eu quero que ele viva de forma mais saudável", explica.

Outra questão relevante é privacidade e segurança na rede. Renato Opice Blum, advogado especialista em direito digital, levantou a questão de a legislação está sempre atrasada em relação aos avanços tecnológicos. "Nós temos que ter leis específicas, que sigam princípios que possam, a partir da sua regulamentação, normalmente por decreto, serem modificadas do dia para noite. Caso contrário, elas ficam obsoletas rapidamente", diz.

Nesse sentido, Veloso destaca a importância de uma regulação sobre a proteção de dados pessoais, além da responsabilização civil e criminal dos provedores de conexão e de conteúdo. No entanto, afirma que a prioridade deve ser uma inclusão digital efetiva. "A gente não tem uma política de banda larga que funcione, porque isso faz parte de um sistema de dominação de uma elite política, que não quer a internet como ferramenta de empoderamento. A gente só vai conseguir de fato ter a internet como elemento transformador quando ela estiver massificada. Isso só com recursos públicos, com políticas de subsídios e incentivos fiscais", diz.

"Diálogos Transformadores - Tecnologia e Internet: Uso Responsável" tem apoio da Vivo


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