Folha de S. Paulo


Acesso a bons programas é 'fator de sucesso' de empreendedores negros

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Luana Garcia, especialista em Desenvolvimento Social da Divisão de Gênero e Diversidade do BID
Luana Garcia, especialista em Desenvolvimento Social da Divisão de Gênero e Diversidade do BID

Os desafios para empreender no país não têm raça. Acesso a redes empresariais e mercados de capitais e gestão são os principais.

O empreendedorismo negro, no entanto, precisa enfrentar outras barreiras além dessas. "São barreiras que são históricas, em termos de acesso à educação de qualidade, de renda", explica Luana Garcia, especialista em Desenvolvimento Social da Divisão de Gênero e Diversidade do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

Ela cita que o principal "fator de sucesso" para que os negócios liderados por afrodescendentes decolem seria "o acesso a programas de qualidade que permitam que eles se tornem empresas investíveis e atrativas para o mercado de capitais".

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Pensando nisso, o BID criou o Inova Capital, um programa de apoio a empreendedores afro-brasileiros. "A gente trabalhou na prospecção de empreendedores afrodescendentes de alto potencial de crescimento. Como resultado, a gente identificou uma carteira de projetos que poderiam receber investimento."

Como parte do programa, especialistas americanos tiveram no evento O Ecossistema para a Promoção do Crescimento de Negócios de Alto Impacto Social, na manhã desta quarta-feira (17). "O aprendizado é poder escutar do próprio SBA (Small Business Administration), o nosso Sebrae, quais foram as políticas que funcionaram."

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Folha - Como está o ecossistema de investimento em negócios de impacto no Brasil?

Luana Garcia - Durante todo o ano de 2016, a gente trabalhou na prospecção de empreendedores afrodescendentes de alto potencial de crescimento. Como resultado, a gente identificou uma carteira de projetos que poderiam receber investimento.

Ao mesmo tempo, a gente escutou dos empreendedores qual seria o próximo passo de cada um. Na maioria deles, depois de consolidar o seu modelo de negócio, era justamente expandir o acesso a capital para poder crescer e se estabelecer no mercado.

Nesse sentido, eles ainda reportaram uma série de dificuldades, em termos de redes, de ter acesso a investidores, principalmente de equity, e de uma iniciativa mais permanente de coaching e mentoria, o que acontece em geral nos fundos de venture capital no Brasil e no exterior.

A gente está chamando de ecossistema os diferentes elementos que realmente possibilitam para que o empreendedor vá do ponto A, o nível de ser investível, ao ponto B, o de receber o capital.

Nesse ecossistema, existe uma série de entidades trabalhando na parte de prospecção, formação, acesso a capital e redes.

Por que criar um programa voltado para o empreendedorismo negro?

Desde o desenho desse programa, a gente se deparou com uma estatística bem importante e impactante. [Em 2013] Apesar dos empreendedores negros serem 11 milhões no Brasil, 900 mil empregavam uma pessoa. Ou seja, ele e mais outra pessoa. E entre os 10,8 milhões de empreendedores brancos, eram cerca de 2,3 milhões.

A gente viu um potencial de ganhos para o país se a gente investisse em primeiro conhecer quais são as reais barreiras que enfrentam esses afroempreendedores, por que eles estão segregados em um segmento que não emprega, e descobrir que metodologias poderiam funcionar para enfrentar essas barreiras, potencializar esses empreendimentos para que eles consigam crescer, se consolidar, sobreviver e gerar emprego.

Quais são as barreiras que enfrentam os empreendedores negros?

As barreiras que a gente identificou elas afetam não só empreendedores afro como empreendedores não afro. Elas têm a ver com habilidades e conhecimento para fazer a gestão, seja pessoal ou financeira, e com o acesso a redes empresariais, que possam conectá-los a mentores.

São barreiras que são históricas, em termos de acesso à educação de qualidade, de renda. A gente tem visto um avanço grande, e o programa é para justamente trabalhar naqueles –e não gosto de usar tanto a palavra barreira, falo em os fatores de sucesso– fatores de sucesso para os empreendedores afro, que é ter acesso a programas de qualidade que permitam que eles se tornem empresas investíveis e atrativas para o mercado de capitais.

O acesso a esses programas é menor para o empreendedor negro?

O Inova Capital permitiu a gente ver se um programa que já existe necessitaria de certas adaptações. Não existe um dado representativo no nível nacional [nesse tema], mas a gente observa os programas existentes, de altíssima qualidade, em que não se vê a participação negra em par a sua representatividade na população.

É muito difícil identificar um negro ou uma negra empreendedora que se beneficiou desses programas. A gente buscou porque quer conhecê-los, ter mais embaixadores negros que passaram por esses programas de altíssimo calibre para também se unir a rede de mentores do Inova Capital.

O que é preciso para que as empresas se tornem investíveis? Aprimorar o empreendedor ou o mercado de investimentos?

Tem que trabalhar as duas coisas em programas integrais. Não pode ir num gestor de fundo e dizer para investir em uma empresa quando essa empresa não está pronta para receber investimento.

Ao mesmo tempo, a gente não pode investir numa carteira de projetos, colocar essas empresas num nível investível, e o mercado de capitais não investir por falta de conhecimento.

Tem que ter uma aproximação dessas empresas com o mundo de investimento. Nos EUA, existem dados sobre a participação das empresas lideradas por afro-americanos como recipientes de investimento de equity.

Só 2% das empresas de afro-americanos recebem equity, em comparação a 11% dos brancos. Entre todos os investimentos de equity feitos, só tem 1% de empresas afro-americanas, e eles são 17% dos empresários.

Os afro-americanos, historicamente, não têm essa aproximação ao mercado de capitais. Então é algo que tem que ser trabalhado ao mesmo tempo.

O que o Brasil pode aprender com o ecossistema americano?

O aprendizado é poder escutar do próprio SBA (Small Business Administration), o nosso Sebrae, quais foram as políticas que funcionaram, seja no âmbito educacional, de ensino técnico relacionado ao desenvolvimento empresarial, seja no acesso a capital, o papel das políticas públicas e regulações, através de políticas de incentivo ao setor privado.

Eles mesmos dizem que fizeram muitas políticas, mas tem algumas que até hoje estão aí porque realmente demonstram que existe um retorno no investimento público.

Acho que a gente poderia encurtar a nossa curva de aprendizado. Sei que são realidades completamente distintas, mas é uma instituição de fomento empresarial tentando incluir um grupo historicamente excluído.

É dessa política deles, esses programas que eles fizeram, que eles desenharam que a gente gostaria de aprender mais.


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