Folha de S. Paulo


'Solução para a democracia é construir um tecido social', diz economista

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Walter Link, economista com mestrado em desenvolvimento organizacional e pessoal e fundador da Global Academy Foundation
Walter Link, economista e fundador da Global Academy Foundation

"Nenhum lugar no mundo vive uma democracia que está em seu potencial pleno", afirma Walter Link, economista com mestrado em desenvolvimento organizacional e pessoal que trabalha para formar agentes da mudança.

Ele acredita no empreendedorismo social como uma força poderosa para mudar o mundo. "O arquétipo do empreendedorismo social é combinar uma visão profunda humana e sustentável para o mundo com a capacidade de transformar essa inspiração em inovação e implementação."

O Prêmio Empreendedor Social está com inscrições abertas; participe.

Ele há 30 anos fundou a Global Academy Foundation para formar líderes e organizações que pensem no impacto que causam e tentam construir um futuro melhor. Parte desse futuro já pode ser visto no trabalho dos líderes de negócios sociais, que mostram uma "alternativa real, que um outro mundo é possível".

Para a democracia caminhar para o seu pleno potencial, ele afirma que necessário uma série de fatores, uma sociedade civil e um sistema educacional fortes. "A educação ocidental está voltada muito apenas para educar uma pessoa, mas o que realmente precisamos é desenvolver comunidades inteiras."

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Folha - O que é a Global Academy Foundation?

Walter Link - Nos últimos 30 anos, a Global Academy Foundation, que fundei, apoiou "changemakers" [agentes da mudança] ao redor do mundo. Trabalhamos individualmente para desenvolver não somente esses líderes, mas também sua capacidade de interagir e ajudar também suas organizações e seu impacto na sociedade.

Algumas dessas organizações têm um papel em moldar o futuro. Podemos falar de como ele deveria ser, mas é muito mais poderoso demonstrar que existem pessoas fazendo diferente, e quando eu vejo essa diferença, vejo que há uma alternativa real, que um outro mundo é possível.

Um exemplo é o movimento de empreendedorismo social. Não é apenas sobre algumas pessoas que têm organizações incríveis que têm um impacto enorme, é sobre deixar claro que muitos de nós podem se juntar em um movimento pelo empreendedorismo social.

É sobre a evolução da sociedade. Não há somente evolução na biologia e na ciência, há evolução também na sociedade. Em um último estágio, queremos todos sejam um agente da mudança, que tenham a capacidade, a informação e a orientação para fazer isso. Isso é também como uma democracia realmente é.

Em uma democracia verdadeira, não se vota apenas uma vez a cada quatro anos, se está engajado todos os dias na qualidade de vida.

Que lugar no mundo está mais perto dessa verdadeira democracia e o que é preciso fazer para que essa evolução aconteça?

Nenhum lugar no mundo vive uma democracia que está em seu potencial pleno porque vivemos entre paradigmas.

É possível ver ótimos exemplos de democracia. Nesses lugares, existem certas condições que tornam isso possível. O corpo do iceberg, onde a democracia realmente acontece, é onde há uma sociedade civil forte, em que as pessoas estão engajadas em serem agentes da mudança, que se importam e estão recebendo boas informações, então é preciso uma boa imprensa, que forneça informação objetiva, rica e diversa.

É preciso um sistema educacional forte, que apoia as pessoas a aprenderem pensamento crítico, empatia. E é preciso uma legislação forte, para que os cidadãos naturalmente as sigam não porque são obedientes, mas porque as reconhecem como justas e solidárias e que, mesmo que nem sempre gostem de suas limitações, gostam do que elas trazem para a sociedade.

Os melhore exemplos para mim estão no norte da Europa. As guerras constantes, que culminaram nas duas Grandes Guerras, que destruíram totalmente a Europa, acordaram as pessoas para descobrir o que é necessário.

A Alemanha estava no total contra senso da democracia com um líder eleito democraticamente, o que mostra que eleições democráticas não são suficientes porque o país teve uma sociedade civil fraca, que não acreditava nas leis, e um sistema social fraco.

Depois da guerra, foi criada uma boa legislação, um forte sistema social e uma economia social de mercado, na qual os proprietários têm uma responsabilidade para com a sociedade.

Se você olhar para os países europeus, há experiências interessantes do que a democracia pode ser, e todos eles têm a ver muito mais do que com apenas votar, mas com um senso geral de solidariedade. A solução para a democracia é construir um tecido social.

Quais são os paradigmas em que vivemos?

Existem três paradigmas competindo por poder no mundo. O mais antigo é o que poderia ser chamado de paradigma tradicional dogmático, no qual as pessoas não passaram pelo processo de esclarecimento que ocorreu nos últimos séculos, quando o segundo paradigma nasceu, que eu chamo de paradigma moderno materialista.

No paradigma tradicional dogmático, não temos ciência, pensamento crítico individual, mas vivemos em um mundo de crença. Somos manipulados, não há imprensa livre ou educação crítica. As pessoas não ligavam para os fatos, não queriam ler as notícias, eles eram apenas parte de uma estrutura de crença.

No paradigma moderno, as ciências começam a ficar muito forte e se afasta da crença de dogmas e se olha criticamente para as coisas. Trouxe muito das ciências modernas, da democracia, da economia de mercado, mas também trouxe materialismo, que não é apenas comprar um carro maior, tem raízes mais profundas.

O problema do materialismo é que se transforma uma vida em uma coisa. Então se olha para uma pessoa e não se vê um ser vivo, mas recursos humanos, ou algo humano para conquistar objetivos. Nos negócios, isso é particularmente óbvio, mas na política, seres humanos viram eleitores. São votos, não se vê realmente que há vida.

Isso fica ainda mais nítido na natureza, onde não se vê o planeta como um ser vivo, há apenas recursos naturais para serem explorados.

Foi isso que o materialismo nos trouxe, mas também nos levou ao pensamento racional. O paradigma tradicional tem um senso muito forte de comunidade, mas é a minha contra a sua.

E há um paradigma emergindo, que ainda se beneficia do que há positivo nos antigos paradigmas. Há apenas uma comunidade global, onde dependemos uns dos oturos. Há um respeito à solidariedade e à legislação porque há uma preocupação com o mundo.

E nesse novo paradigma, é também natural ter a educação do ser todo, não apenas da mente racional, mas do coração, do corpo e a personalidade amadurece e cresce para todo o seu potencial. Há uma economia em que ter lucro e sustentabilidade não é contraditório, mas uma oportunidade de crescer. É um paradigma em que se colabora com a natureza para criar uma sociedade melhor.

Você acha que o sistema educacional incentiva o empreendedorismo social?

Acredito que a maioria dos sistemas educacionais ainda fazem parte do antigo paradigma. Algumas sociedades ainda não ensinam pensamento crítico. Elas incentivam a cidadãos obedientes ao invés de cidadãos engajados.

Mas, em 30 anos, a Global Academy Foundation tem trabalhado com algumas instituições para mudar isso. Existem ótimos exemplos no mundo e no Brasil que mostram um diferente tipo de sistema educacional onde todo o ser é desenvolvido.

Não queremos apenas conhecimento, mas seres maduros que também têm conhecimento e que têm a capacidade de traduzir isso em ações que melhoram o mundo.

A educação ocidental está voltada muito apenas para educar uma pessoa, mas o que realmente precisamos é desenvolver comunidades inteiras.

Qual o papel do empreendedor social na construção de um futuro melhor?

Acho que empreendedores sociais, especialmente se pensamos em todos como agentes da mudança, têm um papel crucial na sociedade. Eles juntam duas forças poderosas, presentes do desenvolvimento global.

Uma é a força para o bem, para mudar o mundo para melhor. Educação e saúde melhores, mais liberdade, democracia, igualdade.

E há esse outro movimento que é o empreendedorismo de negócios, com criatividade, inovação e implementação incríveis, mas não muito frequentemente para o benefício das pessoas e do planeta porque a nossa economia ainda é predominantemente não sustentável.

No empreendedorismo social une-se essas duas forças poderosas, de enxergar o que a sociedade pode ser e a capacidade de implementar essa visão. E isso é o arquétipo do empreendedorismo social, combinar uma visão profunda humana e sustentável para o mundo com a capacidade de transformar essa inspiração em inovação e implementação.


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