Folha de S. Paulo


Economista deu a volta ao mundo para vender saúde via SMS no Brasil

Michael Kapps, 27, fez um caminho tortuoso até o empreendedorismo social no Brasil. Nascido em Moscou, mudou com a família da Rússia para o Canadá, onde foi criado. Fez faculdade nos Estados Unidos, mas antes passou uma temporada na África como voluntário, quando fundou uma ONG em Gana com amigos.

Uma "volta" ao mundo que o fez chegar ao Pantanal, quando ainda era estudante de economia na prestigiosa Universidade Harvard.

"Estava muito estressado na faculdade. Quis dar um tempo e viver uma experiência diferente. Meus pais acharam estranho, mas fui morar no Pantanal, tocando gado numa fazenda, por uns quatro meses", relata, sobre o "emprego" para o qual foi indicado por um amigo.

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Não sabia falar português, mas diz ter aprendido o idioma andando a cavalo com dicionário na mão e enchendo de perguntas os demais vaqueiros da fazenda.

"Eu me encantei com o Brasil. Me senti muito mais brasileiro do que russo, canadense ou americano."

Voltou com energia para concluir a universidade e foi trabalhar na gigante de consultoria McKinsey, em Palo Alto, na Califórnia, prestando serviços para indústria farmacêutica e grandes hospitais. "Mas sempre pensei em criar algo que pudesse mudar a vida das pessoas e em escala."

A temporada em Mato Grosso, diz ele, também serviu para perceber que havia "bastante potencial e oportunidades para mudar o sistema de saúde no Brasil".

Kapps começou a trocar ideias com o brasileiro Juliano Froehner, 40, ex-aluno de Harvard como ele, seu futuro sócio na Tá.Na.Hora Saúde Digital.

O negócio de impacto social foi criado há quase três anos com o objetivo de atender grandes populações e áreas caras ao poder público, como primeira infância, saúde da família, doenças crônicas -entre elas obesidade, hipertensão e diabetes- e epidemias como dengue.

"Queríamos achar uma solução para a saúde que se encaixasse na realidade brasileira, que as pessoas pudessem incorporar na vida delas", afirma Kapps. "Dar um Fitbit [monitor de passos digital] para todos não é viável no Brasil, por isso temos que 'tropicalizar' a tecnologia."

Para garantir que o serviço chegue ao maior número possível de pessoas, os empreendedores recorreram a uma tecnologia que existe desde os anos 1990 e que está na mão ou no bolso de 9 em cada 10 brasileiros: o bom e velho SMS, ou a popular mensagem de texto, via celular.

A saída achada por eles para ajudar pessoas com doenças crônicas ou condições específicas para melhor acompanhar sua saúde foi criar um serviço de mensagens personalizadas. Como o usuário não precisa ter acesso à internet nem baixar um aplicativo ou possuir smartphone, a adesão é maior.

"Nós queremos usar a tecnologia para mudar comportamento, educar as pessoas e tentar resolver alguns dos maiores problemas de saúde do país", diz o russo, em seu português fluente e com forte sotaque.

"Criamos um robozinho que consegue conversar com milhares de pessoas, de um jeito personalizado, auxiliando os profissionais de saúde."

No caso do SMSBebê, projeto em funcionamento em Rio Negrinho (SC), gestantes e mães de crianças de até três anos recebem mensagens com dicas sobre gravidez saudável e depois sobre saúde e desenvolvimento da criança.

"Ensinamos que não se deve colocar o bebê para ver novela e sim ler para ele. São dicas que têm base na neurociência", explica o cofundador da Tá.Na.Hora.

As mensagens para grávidas, por exemplo, falam sobre vínculo entre mãe, pai e bebê, exercícios físicos e alimentação e alertam para problemas comuns como infecção urinária.

MASSAGEM NOS PÉS

Para os pais de primeira viagem Jessica Engel, 18, e Jeferson Kwitschal, 21, as mensagens começaram a chegar desde a primeira consulta de pré-natal. Dicas que orientavam Kwitschal a cuidar da mulher e a fazer massagem a agradaram.

"Eu tinha medo do parto, mas as mensagens falaram para caminhar, para conversar com o pai e para pensar em coisas boas, e isso ajudou", diz ela.

Agora que a filha deles, Isabelly, está com sete meses, a mãe gosta de receber mensagens sobre tópicos de saúde, como a possibilidade de reação às vacinas, e sobre o desenvolvimento da bebê.

Segundo a Tá.Na.Hora, a taxa geral de resposta às mensagens é de aproximadamente 30%, chegando a mais de 60% entre as gestantes, público mais engajado.

BAIXO CUSTO

Os clientes desse tipo de serviço são prefeituras e planos de saúde. Também há empresas que querem encorajar práticas saudáveis entre seus funcionários. Hoje, são enviadas cerca de 57 mil mensagens de texto por mês, somando todos os serviços prestados pela Tá.Na.Hora.

Uma limitação da tecnologia é o custo para mandar SMS, entre R$ 1 a R$ 3 por pessoa por mês, cobrado dos clientes. Um valor relativamente baixo diante dos resultados e do alcance do serviço.

Um dos argumentos usados pelo empreendedor em suas andanças por órgãos públicos para vender o produto é aumentar o envolvimento dos pacientes por um baixo custo e em grande escala.

"Nós fazemos gestão de saúde populacional. Nossos concorrentes trabalham só nas classes A e B. Os outros 95% da população precisam de uma solução", diz Kapps.

Os fundadores afirmam que a Tá.Na.Hora deve faturar R$ 2 milhões em 2017 e que a expectativa é atingir o "break-even" (ponto de equilíbrio entre despesas e receitas) nos próximos 12 meses.

"Meu sonho é saber que minha empresa criou uma ferramenta que, de forma barata, está se espalhando por todo o Brasil. Espero que seja usada também no resto do mundo onde existem os mesmos problemas", diz Kapps.

Hoje, o empreendedor "globetrotter" (viajante frequente), que fez estágios em lugares como Ilhas Maurício, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão, mora em São Paulo e viaja com regularidade aos municípios catarinenses Joinville e Rio Negrinho, cidade natal do sócio, onde a Tá.Na.Hora também tem parte de suas operações.

MALÁRIA

Com tantas andanças, aos 17 anos, Kapps viveu uma experiência que moldou sua visão de empreendedorismo social em saúde.

"Tive Malária em Gana e lembro da primeira noite, com muita febre, sem saber o que era nem como chegar ao hospital. Foi traumático", recorda-se. "Eu deitei no chão e dormi na chuva, o que ajudou a baixar a febre."

No dia seguinte, foi para o hospital, comprou os medicamentos e logo estava curado. "Depois disso, pensei muito em saúde pública e em como fazer iniciativas em massa, trabalhar com populações", afirma o empreendedor que veio do frio. "Não quero simplesmente tratar as pessoas, mas mudar a forma como elas pensam a saúde."


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