Folha de S. Paulo


Instituto C&A foca sustentabilidade: 'Moda pode ser força do bem'

Combater o trabalho escravo, evitar o desperdício e investir em matérias-primas sustentáveis na indústria têxtil, como o algodão orgânico, estão entre os novos focos de atuação do Instituto C&A no Brasil.

Após 25 anos no país, a organização que investiu US$ 125 milhões (cerca de R$ 403 milhões) em 2.000 projetos sociais voltados à educação dá início a uma transição que vai até 2018.

É quando a organização passará a apoiar iniciativas e projetos que buscam inovar e transformar o modelo de produção e consumo do mercado da moda.

Assim, o braço brasileiro se alinha aos preceitos globais da C&A Foundation, que coordena o investimento social de todos os institutos e fundações que levam o nome de rede varejista no mundo.

A americana Leslie Johnston, diretora-executiva da C&A Foundation, concedeu entrevista exclusiva à Folha, acompanhada de Giuliana Ortega, diretora-executiva do Instituto C&A no Brasil.

Elas falam desse novo momento no Brasil, alinhado com o recém-divulgado relatório global de sustentabilidade da companhia. Ambas ressaltam os desafios da indústria têxtil, entre eles o de mudar a consciência de consumidores no glamoroso mundo fashion em uma cadeia produtiva que é a segunda mais poluente do planeta.

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DESAFIOS GLOBAIS

Folha - Como é possível fazer diferença neste universo de contrastes?
Leslie Johnston - O foco da C&a Foundation é identificar líderes que estão transformando a indústria porque nós acreditamos que a moda pode ser uma força para essa mudança.

É o que demonstramos ao premiar iniciativas de empreendedores sociais em todo o mundo em um concurso global chamado "Tecendo a Mudança", em parceria com a Ashoka.

Que mudanças precisam ser feitas?
Os desafios da indústria têxtil são sistêmicos, com problemas profundamente enraizados, tanto sociais e ambientais, quanto nas condições de trabalho. Nós temos que parar essa corrida. O modelo está falido. Mudanças exigem inovações, a gênese do desafio global.

Nos propusemos a identificar soluções inovadoras lá na ponta da cadeia com potencial de ganhar escala e de fato mudar a forma com a indústria trabalha. Premiamos três iniciativas entre dez finalistas. O que eles eles estão fazendo, e que ninguém sabia, é incrível.

Você pode nos dar um exemplo?
O aperfeiçoamento da reciclagem química de tecidos, que assim podem ser transformados em outros tecidos. Quando isso ganhar escala vai resolver o problema do desperdício.

Retalhos e roupas usadas não irão mais para o lixo. Poderão ser utilizados de novo, de novo e de novo, graças a uma tecnologia que vai reduzir enormemente o consumo de água e a poluição dos rios, com impactos na saúde e na vida das pessoas e no planeta.

É esse o maior desafio da indústria?
Existem milhares de desafios e nós escolhemos aqueles que precisam ser encarados com urgência. O mercado começou, por exemplo, a olhar para a produção de algodão orgânico, mas há muito a ser feito.

A C&A já é a maior consumidora de algodão orgânico do mundo. Até 2020, a meta é chegar a 100% desta matéria-prima produzida de maneira sustentável.

O algodão cultivado de modo tradicional necessita de muita água para ser processado, além de usar bastante pesticida. Não é uma cultura sustentável.

A indústria da moda está na berlinda também pela precárias condições de trabalho de fornecedores. Como enfrentar isso?
Trabalho forçado é bastante desafiador. É uma área sensível, mas estamos atuando com o propósito de erradicação de mão de obra escrava, usando a transparência para promover melhorias nas condições de trabalho na cadeia têxtil.

Essa mobilização ganhou força após a tragédia do Rana Plaza em Bangladesh, em 2013, quando morreram centenas de operários de fábricas de roupas que funcionavam em condições precárias?
Depois do desabamento do Rana Plaza, ficou evidente que não havia transparência das marcas na subcontratação de seus fornecedores. Quais marcas estavam por trás daquela tragédia? Só com política de transparência é que podemos evitar que outros Ranas Plazas aconteçam.

O que mais pode ser feito para transformar uma indústria tão glamorosa como a da moda e ao mesmo tempo com tantos problemas em sua cadeia produtiva?
Acabar com desperdício, por exemplo, requer novas tecnologias, que estão florescendo. É interessante também ver como as marcas estão mudando a maneira de lidar com as matérias-primas.

Temos que pensar em termos de reúso de materiais, para reduzir o impacto de água e pesticidas. Uma das finalistas do desafio global quer profissionalizar as milhões de mulheres ao redor do mundo que fazem parte da cadeia têxtil, promovendo melhores condições de trabalho. É uma forma de combater a violação de direitos humanos. Isso é excitante.

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DESAFIOS BRASILEIROS

É para olhar com mais atenção para os desafios que dizem mais respeito à realidade brasileira que o Instituto C&A no Brasil está fazendo uma transição para atuar nesta nova seara.

Giuliana Ortega explica a seguir como a instituição que criou expertise e impacto positivo na área de educação passa a atuar, por exemplo, na melhoria das condições de trabalho em oficinas de costura em São Paulo, que usam mão de obra imigrante e estão na mira do Ministério Público do Trabalho, em razão de denúncias de trabalho análogo à escravidão.

Folha - Por que mudar o foco de atuação de educação para sustentabilidade na moda?
Giuliana Ortega - Depois de 25 anos atuando em educação, começamos a buscar agora uma atuação mais global. Todas as fundações e institutos ligados à C&A estão trabalhando por uma causa única em todo o mundo, que são os problemas por trás da indústria da moda e as possibilidades para essa indústria ser mais sustentável.

Como será feita esta transição no Brasil?
Discutimos muito a melhor forma de fazer isso, tendo em vista uma organização do tamanho e importância que o instituto tem no cenário da educação. E aí acabamos decidindo por manter o nosso jeito de fazer e que faça sentido também para esse novo momento do instituto, que é mais global.

O que sobrevive?
Uma coisa muito forte é a colaboração. O instituto sempre fez os seus projetos por meio de parceiros. É o poder do coletivo. Conseguir movimentar outros atores, outras organizações, para que todos possam trabalhar na mesma causa que nós.

Um eixo muito forte da nossa atuação continuará sendo a mobilização. Os desafios da indústria da moda são muito grandes e nós sabemos que uma organização sozinha, um instituto ou uma fundação, mesmo que tenha um orçamento interessante, não vai conseguir mudar tudo isso sozinha.

A questão é realmente unir esforços, mudar a mentalidade e conseguir movimentar mais atores para estarem juntos conosco nessa agenda.

Quais são os principais nós a serem desatados no Brasil?
Nosso grande desafio no Brasil, e o prêmio com a Ashoka foi importante neste contexto, é como fazer as iniciativas pontuais, que estão começando na mão de empreendedores sociais, ganharem escala.

Como engajar grandes fornecedores, confecções, varejistas? Como tirar essas iniciativas de uma coisa mais local, micro, e levá-las para um cenário mais macro?

Outra questão importante são as oficinas de costura em São Paulo, muitas em condições degradantes, sub-humanas. Como trazer estas oficinas para um patamar digno de condições de trabalho, saúde e segurança? E temos que lidar com um público vulnerável, em sua maioria trabalhadores imigrantes, para que eles consigam ter um trabalho mais saudável.

Que projetos estão sendo desenhados?
Entre as estratégias globais do Instituto C&A para transformar a indústria da moda estão a promoção de uma maior transparência no setor e um olhar especial para a questão de gênero em programas como Incentivo ao Algodão Sustentável, Melhores Condições de Trabalho e Combate ao Trabalho Forçado e Trabalho Infantil.

Acreditamos que a moda pode ser uma força para o bem, queremos atuar como agentes de transformação do setor, atuando de forma colaborativa com a sociedade civil, demais institutos e fundações, empresas, e entidades setoriais.


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