Folha de S. Paulo


Ativistas têm de superar ideia de que capitalismo é ruim, diz especialista

Arquivo pessoal
Andrea Armeni
Andrea Armeni participa do Fórum de Finanças Sociais e Negócios de Impacto

O advogado Andrea Armeni, 40, trabalha em um escritório em Wall Street, em Nova York, mas se envolve com questões sociais e tenta fazer com que o mundo financeiro e o social interajam na liderança de sua empresa Transform Finance.

"Os dois trabalham com mudança", afirma o italiano que estudou direito nos EUA. "Os donos de ativos precisam entender as implicações de suas decisões [...] Por outro lado, os ativistas da mudança social, para interagirem com o meio financeiro, precisam superar a ideia que ele é ruim."

Além do escritório na metrópole americana, ele já ensinou desenvolvimento sustentável na França e foi à Colômbia com o grupo Gaia Amazonas, que trabalha com a auto-determinação e preservação ambiental junto com indígenas.

Nesta quarta-feira (3) e quinta (4), ele está no Brasil para participar do Fórum de Finanças Sociais e Negócios de Impacto, organizado pela ICE e Vox Capital, parceiras do Prêmio Empreendedor Social em 2016.

As inscrições para o evento já estão encerradas, mas, devido à grande procura, a organização vai transmitir as palestras ao vivo

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Folha - Como você começou a trabalhar com impacto social?

Andrea Armeni - Meu passado mistura o trabalho de advocacia corporativa e ativismo em justiça social. Então sempre estive envolvido com problemas sociais, mas com uma perspectiva legal.

No meu trabalho em Wall Street, percebi que as decisões do mundo financeiro influenciam os problemas sociais e, durante o período que estive na Amazônia, também vi o impacto que os fluxos de capital têm no cotidiano das comunidades locais e como é importante que as vozes dessas comunidades sejam incluídas na conversa financeira.

Qual a forma de os meios financeiro e social trabalharem juntos?

Do lado do capital, os donos de ativos precisam entender as implicações de suas decisões. Se estão no setor de energia renovável, por exemplo, é necessário enxergar além da parte do meio ambiente. Também há consequências nos direitos humanos e da propriedade de terra.

Para ir a fundo nessas questões, eles precisam interagir com as pessoas que as conhecem de perto. Se o interesse é em oportunidades de trabalho para ex-presidiários, a decisão não deve vir de um escritório em São Paulo ou Nova York.

Por outro lado, os ativistas da mudança social, para interagirem com o meio financeiro, precisam superar a ideia que ele é ruim e sempre os explorou, o que é verdade. No entanto, ao não ser que essas pessoas tenham um papel mais ativo, os financistas sempre decidirão por eles mesmos.

Como eles podem gerar benefícios mútuos?

Os dois trabalham com mudança. Quem está do lado social depende muito da filantropia, e as iniciativas podem ser desfeitas por uma mudança no fluxo do capital. A empresa, que trabalhou por décadas em uma comunidade para criar melhorias, pode decidir retirar toda sua unidade desse lugar e acabou.

Seria bom para os atores da mudança social saberem as decisões a serem tomadas e terem um papel nelas ou ter capital próprio com empresas sociais. Se você está preocupado com catadores, claro, você pode protestar e advogar pela causa, mas, às vezes, o melhor a se fazer é abrir uma empresa.

Pelo financeiro, é benéfico principalmente para as pessoas que estão tentando fazer a coisa certa, mas não se pode esperar que eles saibam os processos da comunidade.

Se eu realmente me importo com os artesãos, eu me beneficiaria ao conversar com eles para, não só para fazer com que sejam ouvidos, mas para integrá-los no processo de forma profunda, que vá além de um design colaborativo.

O que falta para fazer esses dois mundos conversarem?

É importante que se defina o significado de impacto porque existe muito interesse de investidores, no Brasil e no mundo, em serem socialmente responsáveis.

Há muitas pessoas que dizem fazer investimento de impacto, mas que estão, na verdade, perpetuando o mesmo sistema. Por isso é importante descobrir o que significa impacto, quem vai definir isso e quais vozes estão em jogo.

Onde você acha que essa interação funciona melhor?

É um sistema problemático em todo o lugar. Sou particularmente entusiasta em achar modelos que venham do hemisfério sul e possam ser replicados no norte.

Não queremos que a finança social seja mais um esforço colonialista onde os ingleses e os americanos ditam quais deveriam ser os termos de investimento de impacto.

Existem ótimos esforços agora em fundos de design colaborativo em comunidades da América Latina onde as vozes das pessoas que recebem esse recurso são tão importantes quanto as dos investidores.

Eu diria que essa interação funciona onde as pessoas estão mais abertas a quebrar algumas barreiras do sistema atual. Mas há muito trabalho a se fazer em todos os lugares.

Como você avalia o cenário brasileiro?

Acredito que o Brasil tenha muito a ensinar por causa da força e do tamanho de sua economia e também do tamanho de seus problemas sociais.

O país tem um significativo papel para a finança social. Existe um potencial para ser verdadeiramente transformador com esses investimentos e precisamos ir além de soluções paliativas que fazem das pessoas um pouco menos pobres.

Precisamos pegar todo esse interesse e ver como eles podem nos levar à mudança do sistema e criar um mundo financeiro que seja mais justo, igual e inclusivo.


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