Folha de S. Paulo


Professor nativo e mensalidade barata tornam inglês acessível na periferia

"The book is on the table", brinca a representante comercial Talita Pires Duarte de Lima, 27, quando alguém pede um exemplo do que aprendeu nos quatro primeiros meses de aulas de inglês na 4You2.

Ela poderia complementar: "The table is in the favela", já que suas aulas são ministradas numa sala sobre um centro comunitário de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, em uma escola que cobra mensalidade de R$ 76 por cursos dados por estrangeiros, hospedados nos bairros da região.

Talita vende pacotes de telecomunicação para viver e espera que, ao ser a primeira pessoa da sua família a dominar a língua, possa dar um salto profissional e assim ganhar mais dinheiro.

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Ela é um retrato da maioria dos clientes da 4You2, rede com cinco escolas populares de inglês em bairros pobres de São Paulo, fundada no fim de 2011 por um aluno do primeiro ano de economia na USP.

Cerca de 60% dos seus alunos são adultos em busca de melhores oportunidades no trabalho.

Enquanto os estudantes tendem a ter mais de 30 anos, os professores estão abaixo dessa faixa etária, ainda estudam e ganham um pouco mais de um salário mínimo por mês para dar até 26 horas de aula por semana e morar em casas de famílias locais.

Quem hospeda um professor ganha R$ 300 mensais, e há mais voluntários do que o necessário, não fosse uma questão: é duro conseguir casas para professores do sexo masculino. "Suponho que seja ciúme do homem da casa, de ter outro ali dentro", diz Raley White, um dos diretores do negócio social.

O gênero não foi um empecilho para o analista de investimentos Nickolay Svitkov, 29, que trabalhava em um banco londrino antes de decidir pedir as contas e vir para o Brasil.

"Vim em busca da experiência, quero fazer um projeto parecido", diz Svitkov, de mocassim num sol de 32º C em Heliópolis.

O professor diz que sua metodologia foi considerada um pouco dura por alunos brasileiros, no começo: "Tive uma aluna que saiu chorando da sala, sem entender que professores russos cobram mesmo, não querem saber de amizade na sala".

Mas em casa o russo não era considerado frio. "Nickolay virou um amigo, foi uma troca muito boa, ele participava da vida familiar mesmo", diz o fotógrafo Amauri Nehn, 38, que acolheu o estrangeiro em seu apartamento térreo de dois quartos em Heliópolis.

Além de dar 20 horas de aula por semana, Svitkov ajudava a dona da casa Luciana Pereira da Silva, 37, com os confeitos que fazia para vender.

"É uma coisa boa ter aula com gente de costumes diferentes", diz Thaís Brandão Gullotta, 24, coordenadora de eventos que começou o curso em Heliópolis há três meses. "Os dois aprendem assim."

Ela lista ter conseguido fazer mímica de um hipopótamo e ensinar ao professor coreano o nome do mamífero aquático em português como um dos maiores sucessos até agora nas aulas, que faz sentada em cadeiras infantis num centro comunitário da região, na zona sul de São Paulo.

"A aula não fez só bem para o meu currículo. Acho que eu ando gostando mais de mim."


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