Folha de S. Paulo


Negócios inclusivos são oportunidade de economia voltar a crescer, diz ONU

Na Lata
Alunos de escolas pública, em Realengo, no Rio de Janeiro, usam a Geekie em sala
Alunos de escolas pública, em Realengo, no Rio de Janeiro, usam a Geekie em sala

Os negócios inclusivos podem ser alternativa para a economia brasileira voltar a crescer, segundo o relatório inédito "Mercados Inclusivos no Brasil". O documento foi lançado no fim de setembro pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), em parceria com a Fundação Dom Cabral.

Exemplos disso são a Geekie, plataforma on-line de educação personalizada, e a Rede Asta, que empodera mulheres artesãs por meio de treinamentos, formação de redes de produção e criação de canais de venda. Ambos afirmam sentir pouco os efeitos da crise.

Com oportunidade de ascender, esses negócios são uma opção a ser implementada pelo setor privado para contornar os obstáculos do contexto macroeconômico pouco favorável, afirma o relatório.

"Nessa realidade, os negócios inclusivos respondem às demandas da sociedade complementando e qualificando a oferta dos serviços públicos", diz Luciana Aguiar, coordenadora do Pnud responsável pelo relatório. "Eles preenchem as lacunas e as necessidades desse momento", complementa.

Para alcançar esse objetivo, a ideia não é que as empresas realizem ações filantrópicas ou de responsabilidade social. O propósito é ir além ao inovar e criar soluções sustentáveis, inclusivas e economicamente viáveis a favor das comunidades nas quais atuam, como uma forma de gerar valor para todos.

Os negócios inclusivos podem se dividir em três nichos: iniciativas de empreendedorismo social, que usam estratégias de mercado para melhorar o bem-estar humano; atividades de negócios inclusivos, cujos modelos integram a base da pirâmide em seu core business; e os modelos de negócios inclusivos, que têm a viabilidade comercial como aspecto central.

Para o Pnud, as 4 bilhões de pessoas que não têm acesso a bens e serviços, especialmente nas áreas de saúde, educação, habitação e infraestrutura, entre outros, representam uma oportunidade de desenvolvimento de soluções que atendam suas demandas.

NA PRÁTICA

Cláudio Sassaki, 41, e Eduardo Bontempo, 31, foram atrás dessa lacuna ao saírem de seus empregos em bancos para investir em uma plataforma on-line gratuita de preparação para o Enem, a Geekie.

O serviço também oferece testes, com personalização do conteúdo para o estudante de acordo com sua necessidade. No estilo "one pay, one free", a cada software vendido para uma escola particular, outro é dado a um estabelecimento público.

Depois de quatro anos de atuação, a Geekie já possibilitou que mais de 3 milhões de alunos se preparassem gratuitamente para o Enem. Alcançou 5.000 escolas em todos os Estados e em 92% dos municípios.

Os impactos da crise passam longe da empresa social, segundo Bontempo, cofundador e diretor financeiro. "Por termos um produto inovador, conseguimos entregá-lo a um preço acessível e que a sociedade reconhece como prioritária para seus filhos: a educação".

A Geekie é um negócio inclusivo de impacto que também visa a sustentabilidade financeira e o lucro. "No dia a dia das decisões estratégicas, damos o mesmo peso para os dois fatores e trabalhamos para conquistar ambos", conta Sassaki, confundador e CEO.

"Sabíamos que se construíssemos a Geekie sem o foco social, estaríamos na verdade agravando a desigualdade da economia do conhecimento e por isso nossa estratégia de negócios é necessariamente inclusiva", conta Sassaki.

Na Lata
A artesã Ana Lucia Franco, moradora de uma comunidade na zona norte carioca e integrante da Asta
A artesã Ana Lucia Franco, moradora de uma comunidade na zona norte carioca e integrante da Asta

Já a Rede Asta, em dez anos de trabalho à base em princípios de comércio justo, economia solidária, consumo responsável e sustentabilidade, conseguiu empoderar, por meio do artesanato, 1.500 mulheres brasileiras, sendo 90% delas das classes D e E, espalhadas por dez Estados.

A advogada Alice Freitas, 36, fundou a rede que oferece acesso a novos mercados às artesãs. Os produtos, feitos à mão e à base de reaproveitamento de diversos materiais, passaram a ser vendidos em duas lojas do Rio, por e-commerce e diretamente para empresas.

No entanto, os impactos da crise econômica, segundo a advogada, já chegaram até as artesãs. "Nossos canais de varejo não estão performando como gostaríamos e isso impacta diretamente na receita e na renda que conseguimos gerar para elas."

Mesmo diante dessa situação, os números da rede não poderiam ser melhores. A Asta vai fechar 2015 com um faturamento de venda de produtos 100% maior que em 2014, saltando de R$ 1,1 milhão para R$ 2,5 milhões.

"É um crescimento muito significativo e de fato estamos conseguindo tirar muita gente da pobreza", diz. Para o próximo ano, a tendência é só crescer: o mercado externo é o próximo passo.

"Nunca vivi um momento tão grande de fomento de negócios inclusivos, impacto social no Brasil. Enxergamos a crise como uma oportunidade", conta a empreendedora.

AVANÇOS E DESAFIOS

Negócios inclusivos como esses também terão papel importante para manter os avanços sociais conquistados pelo país nos últimos 12 anos, afirma o relatório. O Pnud destaca ainda que o setor privado deve ser protagonista deste momento, sem substituir o papel do Estado.

Para Cláudio Boechat, coordenador da Fundação Dom Cabral, o modelo do último ciclo de crescimento brasileiro se esgotou e não há tantos recursos para bancar a inclusão social por meio de políticas públicas.

"Corremos um risco muito grande de perder o esforço [dos últimos anos] e o mercado inclusivo tem algumas possibilidades de reverter isso", diz o coordenador

No entanto, o Pnud pondera que para os mercados inclusivos avance, é necessário que o governo melhor as condições para que as empresas inclusivas se estabeleçam, com processo mais agis e menos burocráticos.

"Sem um ecossistema forte [composto por vários atores], as perspetivas de desenvolvimento desse setor no Brasil em médio e longo prazo são limitadas", considera Luciana.


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