Folha de S. Paulo


Cego por 45 minutos: a sensação de estar na pele de quem vive no escuro

A vida de Márcio Carli, 28, teve uma reviravolta quando ele perdeu a visão, há seis anos. "Casei no dia 5 [de dezembro de 2009] e três dias depois, na lua-de-mel, não enxergava mais nada", conta.

Ainda criança, o Carli foi diagnosticado com a doença de Stargardt, um quadro degenerativo que começou a tirar sua visão aos poucos desde os sete anos. "Na viagem [de lua-de-mel], eu achava que era o lugar escuro, com muitas árvores."

Divulgação
A exposição Diálogo no Escuro permite inversão de papéis e está aberta para o público até 20/2
A exposição Diálogo no Escuro permite inversão de papéis e está aberta para o público até 20/2

A certeza da perda quase completa da visão veio em duas etapas. Na primeira, sua mãe organizara o apartamento para a volta dos recém-casados, com a cama cheia dos presentes da festa. "Eu não via nada daquilo", diz.

Em um segundo momento, ele e a mulher estavam à mesa para comer. "Pedi para ela me passar o garfo e eu não conseguia enxergar. Ela pegou na minha mão e colocou o garfo. Falei: 'Ah, está muito escuro aqui. Acende a luz.' Ela me disse que a luz já estava acesa."

Depois de dois anos de total dependência, Márcio readquire sua autonomia aos poucos, até hoje. "Minha mulher passou duas semanas em Goiânia e fiquei sozinho. Vim de Santo André até aqui sem ajuda também", conta.

"Aqui" é o Unibes Cultural, onde é guia da exposição Diálogo no Escuro, criada na Alemanha e que chegou a São Paulo pela primeira vez no fim de agosto. Nela, os papéis são invertidos e Carli é um dos 15 guias de participantes que "perdem" a visão durante 45 minutos em experiência sensorial.

"O visitante se conecta com uma pessoa que não vê, não sabe se é gorda, magra, alta ou baixa", explica a organizadora Andrea Calina. O objetivo, segundo ela, vai além da conscientização, pois a atração permite que os outros sentidos sejam explorados.

Carli também ressalta que o passeio não permite que o visitante saiba como é o dia-a-dia de uma pessoa com deficiência visual. "Isso é uma parte muito pequena da nossa vida", explica.

Com quatro ambientes, o guia leva as pessoas a tocarem em tudo que as rodeia e instrui a segui-lo com a voz. Há momentos para cheirar, tocar e ouvir. Adivinhar faz parte do passeio. Assim como as trapalhadas e esbarrões entre os visitantes.

Para Andrea, a experiência quebra o preconceito para com as pessoas com deficiência, pois permite o convívio, ainda que breve. Ela acredita que a inclusão dessas pessoas seja a grande tendência social do século 21.

CONTATO

Essa falta de convívio é apontada em pesquisa feita pela Dialogue Social Enterprise –empresa social que trabalha em favor da inclusão social das pessoas com deficiência, idosos e desfavorecidos. O levantamento mostra que 84% das pessoas que visitaram a exposição, no período em que ficou em cartaz na Alemanha, nunca tiveram contato com deficientes visuais.

Marcela Araújo, 19, esteve na exposição e reforça a pouca familiaridade. "A gente acha que é de outro mundo", conta.

A jovem aponta como as pessoas com visão não tem dimensão do que é viver no escuro. Sua amiga, Cássia Costa, 18, concordou. "Ali, invertem-se os papéis. Vemos que a nossa vulnerabilidade é muito maior".

Exposição Diálogo no Escuro – Unibes Cultural - rua Oscar Freire, 2.500, Pinheiros, São Paulo, SP. Seg. a sáb.: 11h às 19h. Até 20/2. Seg., qua. e qui.: R$ 24 (meia R$ 12); Sex. e sáb.: R$ 30 (meia R$ 15); Ter. - GRÁTIS Obs.: as visitas são feitas em grupos de oito pessoas a cada 15 minutos. A organização pede que os ingressos sejam reservados antecipadamente pelo site, pois não há garantia de vaga na hora.


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