Folha de S. Paulo


No 'MasterChef Paraisópolis', jovens sonham com carreira na gastronomia

Nascido e criado na comunidade de Paraisópolis –segunda maior favela de São Paulo, Lucas de Brito, 17, sempre gostou de se aventurar como o "chef" da cozinha em casa.

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Com os pais separados, há 11 anos, o estudante começou a assumir o comando do fogão para preparar as refeições dos dois irmãos mais novos, enquanto o pai, que ficou com a guarda da prole, ia trabalhar como encanador. "É uma satisfação cozinhar para eles", diz Lucas. No cardápio, o básico arroz e feijão de todo o dia, o que sabia fazer até então.

A tarefa doméstica virou possibilidade de carreira. Lucas quer ser chef, uma profissão da moda, que entrou na sua perspectiva graças ao projeto Chefe Aprendiz Paraisópolis.

Estudante do terceiro ano do ensino médio de uma escola pública, ele levanta às 6h para ir trabalhar em um fast food. Retorna à tarde só para tomar banho e ir estudar. "Quando chego em casa por volta das 22h30, ajudo a fazer a janta, como e vou dormir."

A rotina muda toda quinta-feira, quando ele sai mais cedo do trabalho para se juntar a outros 18 jovens de seu bairro que fazem parte do projeto que, por inspiração do programa de TV, foi apelidado de "MasterChef Paraisópolis".

Aluna de gestão de políticas pública da Universidade de São Paulo, Beatriz Mansberger, 23, era voluntária no Centro Comunitário de Trabalho Paraisópolis (CCT), onde os jovens participam de atividades sociais, quando foi convidada para desenvolver um curso para eles. A ideia de ensinar gastronomia nasceu dentro da comunidade e veio dos próprios jovens.

Mesmo sem dinheiro, a estudante aceitou o desafio. A saída que encontrou foi criar um "crowdfunding" (financiamento coletivo on-line). Em 32 dias de campanha, Beatriz arrecadou mais de R$ 36 mil, entre março e o início de abril.

"Não queria dizer o que era bom para eles", afirma a fundadora do projeto, sobre a definição do tema. "Achei que seria mais interessante envolvê-los. Isso é empoderamento."

Beatriz conta ainda com a ajuda de seu namorado, o chef Phillip Hatt, 25, da Confeitaria Christina, para desenvolver a parte técnica do curso e acionar sua rede de contatos com colegas que são convidados a dar aulas.

Hatt fez uma compilação do curso de gastronomia que ele fez na Suíça e desenhou 16 aulas, divididas em estudos básicos sobre estrutura e higiene da cozinha, além da parte prática, com receitas acessíveis e de baixo custo. Os futuros chefs de Paraisópolis estão aprendendo a fazer caldos, pães, doces, risotos e comida vegetariana.

Além de Hatt, as aulas são dadas por outros chefs convidados, entre eles Tatiana Cardoso e Pina Elisa Di Nuovo. Os encontros geralmente acontecem em um espaço cedido pelo restaurante Bom Prato Paraisópolis. Além de desenvolverem as receitas, os alunos são responsáveis por outras atividades importantes no aprendizado da profissão, como lavar a louça e limpar a cozinha.

"Com essas iniciativas, conseguimos oferecer melhores oportunidades de aprendizagem, crescimento pessoal e profissional para esses jovens que vivem em uma comunidade altamente vulnerável, cheia de riscos sociais", explica, Marlene Santos, coordenadora pedagógica do CCT, no vídeo institucional do projeto.

MÃO NA MASSA

A Folha acompanhou uma aula, há seis dias. O grupo chega pontualmente às 15h, no contraturno escolar, para o quinto encontro do "MasterChef Paraisópolis". Como o tema eram doces, o curso aconteceu na confeitaria de Hatt, na zona sul de São Paulo.

Depois de higienizar as mãos, colocar avental e toca protetora nos cabelos, os alunos se posicionam em frente à batedeira para por a mão na massa. O menu do dia é composto por mousse de chocolate, creme de baunilha e torta de morango.

Atento, o grupo não perde nenhuma orientação de Hatt. Enquanto seguem o passo a passo, alguns fazem perguntas sobre o preparo. Como em uma cozinha profissional, os chefs se dividem nas atividades e depois se revezam.

Lucas quer participar de todas as etapas das três receitas. Começa na batedeira durante o preparo da mousse, depois passa pela cuidadosa decoração do doce com chantilly e já engata na cobertura da torta de morango.

"Estou expandindo meu conhecimento com ganho profissional e pessoal, além de ocupar a cabeça, ao invés de estar fazendo algo errado", diz o futuro chef, que quer cursar uma faculdade de gastronomia e sonha em montar seu próprio restaurante.

Com o pai afastado do trabalho por problemas de saúde, Lucas virou auxiliar de cozinha em casa. Seu Airton de Brito, 54, reassumiu as panelas no lar, mas não esconde o orgulho de ver o filho mais velho e também a segunda, Ana Maria, 15, matriculados em um curto de gastronomia. "Antes, eles não sabiam nem fritar um ovo direito, mas sempre me ajudavam. Hoje, já estão fazendo uma comida muito gostosa, como arroz especial, bolos e doces", conta o encanador.

"O principal objetivo do curso é que eles entrem no mercado de trabalho", diz Hatt, sobre a primeira turma que se forma em julho. "Queremos que nossos alunos aprendam uma profissão e que as receitas possam servir também para eles cozinharem em casa para a família."

'QUERO SER CHEF'

"Nunca imaginei ter essa oportunidade na minha vida", afirma Ingrid Martiliano, 16, filha de um porteiro com uma doméstica. "Pretendo ser chef, seguir nessa área até ter minha própria confeitaria." O mesmo sonho de Robson Coelho, 18, cujo o pai é pedreiro e a mãe, doméstica. "Quero me especializar na área e abrir meu próprio negócio."

Ingrid e Robson compartilham o desejo com o resto da turma, que mostra um tino para o empreendedorismo, estimulado durante as aulas. Ao final do curso, os 18 alunos de Paraisópolis vão participar de uma competição de verdade. Divididos por equipes, terão que cozinhar um menu completo, com uma verba de R$ 350 para cada uma, a ser degustado por um júri composto por empresários da área gastronômica, potenciais contratantes e investidores.

"A gastronomia é um campo inclusivo. Você começa lavando louça, mas pode sempre crescer na profissão", afirma Beatriz. A idealizadora do "MasterChef Paraisópolis" espera ver pelo menos metade da turma contratada ao final dessa primeira empreitada.

A voluntária pretende fazer duas pesquisas, após três e seis meses, para levantar os impactos do projeto na vida desta primeira turma. Beatriz já planeja nova captação de recursos para as próximas edições de o Chefe Aprendiz em mais três comunidades, do Campo Belo, Capão Redondo e Jardim Colombo.


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