Folha de S. Paulo


Imigrantes haitianos são recrutados como professores de inglês no AM

Smith Dort, 29, chegou ao Brasil em 2010, logo após o terremoto no Haiti. Conseguiu um visto de estudante para terminar a segunda faculdade. Graduado em matemática em seu pais, ele passou a cursar sociologia em uma faculdade particular de Manaus, interrompida quando aconteceu a tragédia.

Depois de sua família perder tudo e ficar desempregado, Dort conseguiu, em 2012, um visto permanente humanitário para permanecer no Brasil. "Eu vim para conseguir uma vida melhor e ajudar minha família, todo haitiano vem para isso. Lá, a vida é muito difícil."

Ele deixou para trás memórias como daquele 12 de janeiro de 2010, quando ainda morava em Porto Príncipe. Passava das 17h, quando após um dia de trabalho como professor de inglês, assistia um filme na TV e sentiu o forte tremor de terra que deixaria mais de 200 mil mortos no Haiti.

"Estávamos meus pais, tios e primos. Todo mundo correu. Mas um primo não conseguiu, ficou dentro da casa e morreu", relata. "Depois do terremoto, passamos mais de um mês dormindo na rua."

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Alguns meses depois, Dort desembarcou em terras manauaras, onde arrumou trabalho como garçom. Em quase cinco anos, ele se formou em sociologia, emendou uma pós-graduação em metodologia do ensino e fundou uma associação para ajudar os conterrâneos no Brasil. "Sou o primeiro haitiano a se graduar no Amazonas", diz, orgulhoso do feito.

Agora, seus novos voos serão como professor de inglês de um curso voltado a alunos de baixa renda. Dort é um dos professores haitianos selecionados para fazer parte do projeto Idiomas para Todos, iniciativa que emprega imigrantes haitianos bilíngues para darem aula de inglês.

O projeto é um empreendimento da estudante de administração Sissa Maricaua, 21. A brasileira teve a ideia em 2014, durante a Copa do Mundo, ao perceber que sua cidade, Manaus, uma das sedes do Mundial, não estava preparada para a demanda de profissionais bilíngues que o evento exigiu. "Também notei que parte disso era pelo alto custo dos cursos de idiomas. As pessoas não podiam pagar."

O contato de Sissa com os haitianos começou há cinco anos, quando os primeiros imigrantes chegaram a Manaus pós-terremoto. Sissa era professora de idiomas e realizava trabalhos voluntários em uma paróquia que abrigava os recém-chegados.

"Fui conhecendo a realidade deles e vi que eram pessoas que poderiam dar muito mais para a sociedade se tivessem recursos para isso. Alguns falam fluentemente francês, inglês, espanhol e alemão e ainda apreenderam rapidamente o português", conta Sissa.

APRENDIZADO NOS EUA

Com o sonho na cabeça, Sissa formou um grupo multidisciplinar em sua universidade, a UniNorte, para fazer o projeto decolar. Em março, acabou indo a Miami, nos Estados Unidos, para apresentar o Idioma para Todos.

"Nosso projeto chamou atenção da rede de universidades Laureate e fui selecionada para apresentá-lo no Clinton Global Initiative University [competição mundial que reúne estudantes desenvolvedores de soluções inovadoras para os desafios globais]", explica a universitária. "Lá, tive orientação estratégica de como começar um negócio social com professores e especialistas."

De volta ao Brasil, a estudante foi selecionada em um edital de projetos de sustentabilidade da Unilever. Com o apoio de consultorias que recebeu, ela pode iniciar o recrutamento de professores haitianos.

"Conforme o fluxo de imigrantes foi aumentando, eles começaram a ter dificuldade para conseguir empregos formais. Chegavam aqui ilegal e sem carteira de trabalho", relembra Sissa. "Muitos ficavam desempregados, arrumavam subempregos. Houve muita exploração e preconceito com essa comunidade."

Percalços enfrentados por John Peter Lucen, 27, que também deixou o Haiti há cinco anos. Sem conhecer ninguém no Brasil e sem falar português, ele só conseguiu emprego como balconista. Como fala francês fluentemente e tem noções de inglês espera conseguir uma colocação melhor.

"Preciso trabalhar. Ajudo minha família com US$ 100 por mês, 50% do meu salário aqui. Meus pais já estão velhos e não trabalham e lá não tem trabalho", diz Peter, que pretende começar a dar aula de idiomas em breve e vai somar o dinheiro extra a sua renda mensal de R$ 1.000.

O curso de inglês ministrado pelos haitianos será realizado em abrigos de imigrantes a partir de agosto. Terá mensalidade de R$ 40 e será aberto a toda a comunidade. Toda a renda será direcionada aos professores.

Segundo o Ministério da Justiça, 46.806 haitianos vivem hoje no Brasil. Desses, 32.659 chegaram ilegalmente no Acre e no Amazonas. A partir de 2012, o governo brasileiro passou a conceder o visto humanitário permanente, que lhes dá direito de viver e trabalhar legalmente no país.


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