Folha de S. Paulo


Chefs famosos ensinam gastronomia a pessoas com síndrome de Down

Na cozinha, uma turma atenta de oito alunos se concentra para aprender os segredos gastronômicos de grandes chefs brasileiros. Carlos Bertolazzi, Olivier Anquier e Henrique Fogaça são alguns nomes que, de forma voluntária, já revelaram seus truques a jovens que fazem parte do projeto Chefs Especiais, que ensina conceitos básicos de culinária a pessoas com síndrome de Down.

Concentrada, Jéssica Pereira, 23, não tira os olhos do fogão e ouve o chef, que a orienta passo a passo com os ingredientes da receita. Ela passou por um curso de capacitação em gastronomia durante seis meses no projeto, o que lhe ajudou com a coordenação motora na cozinha com facas e demais utensílios e a superar as dificuldades de leitura na escola, pois com o curso passou a ler as receitas. "Aprender a cozinhar é maravilhoso para a minha vida. A cozinha é um lugar onde me sinto bem", conta.

Chefs Especiais/Divulgação
Os alunos do projeto Chefs Especiais durante aula, na zona oeste de São Paulo
Os alunos do projeto Chefs Especiais durante aula, na zona oeste de São Paulo

O projeto Chefs Especiais foi idealizado pelo casal Simone, 44 e Márcio Berti, 52, há oito anos, em São Paulo. Ela advogada e jornalista, ele empresário –fabricante de panelas– decidiram se unir para fazer o bem. A escolha por ajudar pessoas com síndrome de Down veio da constatação da existência de poucos projetos sociais na área. "E a gastronomia foi escolhida porque transforma e une as pessoas", diz Simone. A partir disso, começaram a estudar como lidar com as necessidades do público.

Com o objetivo de tornar os jovens com Down mais autônomos, o casal colocou a mão na massa e foi bater na porta de quem pudesse ajudar o projeto a dar seus primeiros passos. Aproveitando o bom conhecimento no mundo da gastronomia de Berti, eles convidaram chefs conhecidos para dar aulas e fizeram uma mobilização social entre empresas e amigos para arrecadar doações de alimentos.

Nos primeiros anos, as aulas, gratuitas e esporádicas, aconteciam no Mercado Municipal de São Paulo. Mas somente nos últimos dois anos que os empreendedores se deram conta do impacto que as aulas estavam tendo na vida dos jovens. Ainda sem sede definitiva, com 180 alunos cadastrados e tantos outros na fila espera, as histórias transformadoras relatadas pelos pais dos alunos fizeram Simone largar a carreira e se dedicar totalmente ao projeto.

AS AULAS

Consolidado depois de conseguir patrocinadores e uma sede fixa, na zona oeste de São Paulo, hoje o projeto Chefs Especiais conta com 300 alunos cadastrados, vindos de várias partes da cidade e de todas as classes sociais; eles estudam em sistema de rodízio, já que não há como atender a todos devido aos cuidados que necessitam.

O casal dividiu o ensino de gastronomia de maneiras distintas: duas vezes por semana acontecem oficinas para até oito alunos com os chefs convidados. Eles ensinam duas receitas simples, sendo uma salgada e outra doce, que os alunos sejam capazes de fazer sozinhos em casa ou com alguma ajuda, sem manuseio de faca.

Nas oficinas, são selecionados os estudantes que tiverem mais maturidade, coordenação motora, comportamento emocional e a aptidão pela gastronomia para entrarem no curso de capacitação gratuito. As aulas duram seis meses e são todas guiadas por um professor, que os ensina a mexer com faca e fogão, por exemplo.

"A gastronomia é pegar vários ingredientes e transformá-los do jeito que queremos e é isso que mostramos para eles, que tudo na vida podemos transformar", conta Simone. E é essa transformação que Matheus Maester, 21, veio buscar em sua primeira oficina. "Quero ser chef e aprender a cozinhar para a minha família", diz.

Para tornar o projeto sustentável, o casal oferece aulas pagas de gastronomia para interessados em geral, faz coquetéis, cafés da manhã e vivência para empresas, que trazem seus executivos para cozinhar com os alunos. "Queremos mostrar a eles o quanto que pode ser transformador tê-los em suas empresas e que eles não representam só o preenchimento de cotas", afirma Simone.


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