Folha de S. Paulo


Rede usa "créditos" para permitir troca de experiências gratuitas

Nos últimos meses, Cecília Pestana, 27, fez aulas de violão, massagem, skate, malabares, tarô, bateria, linguagem de sinais e hip hop –tudo de graça. Em troca, ela "doou" seu tempo dando aulas de dança do ventre e forró.

A ideia de formar uma comunidade on-line onde se encontram pessoas interessadas em "trocar" seu tempo livre está por trás do site Bliive, da empreendedora Lorrana Scarpioni, 24 anos.

Os usuários do Bliive se cadastram no site e oferecem uma determinada atividade –um hora de aula de judô, por exemplo. Eles recebem um TimeMoney, a moeda usada na plataforma. Aí podem trocar seu TimeMoney por qualquer atividade oferecida por outro usuário do Bliive.

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"O mais legal do Bliive é experimentar coisas que você não conhece e não teria dinheiro para fazer", diz Cecília, que é coordenadora pedagógica em Curitiba. "E, de quebra, a gente faz amigos."

Lorrana teve a ideia de montar o Bliive depois de assistir a dois documentários, um sobre a influência do dinheiro na sociedade e sistemas monetários alternativos e outro sobre economia colaborativa.

Para tirar a ideia do papel, foram necessários sete meses e muito suor. Foi difícil achar sócios e programadores para desenvolverem o site como ela tinha imaginado.

"A plataforma do Bliive era cara, eu paguei com o dinheiro do estágio que fazia, na Procuradoria da República do Estado do Paraná, e tive ajuda dos meus pais, que me deram o dinheiro que estavam guardando para a minha formatura", conta Lorrana.

Sua mãe, que é baiana, tem uma pequena malharia, e o pai, mineiro, é engenheiro florestal. Eles vivem em Ponta Grossa (PR), onde Lorrana cresceu.

Segundo a empreendedora, foram cerca de R$ 28 mil investidos até agora, a maior parte para pagar programação e servidor.

Na época do lançamento, em agosto de 2013, Lorrana estava no último ano de direito na UniCuritiba e de relações públicas na Universidade Federal do Paraná.

"No começo éramos inexperientes, muitos convites por e-mail foram parar na pasta de spam (lixo eletrônico)", conta. Mas graças à propaganda boca a boca, hoje o Bliive tem 40 mil usuários em mais de 90 países. A maior parte está em São Paulo, mas já houve trocas na Alemanha, Estados Unidos e Portugal.

Além de Lorrana, o Bliive tem três sócios: Roberto Pompeo, que era professor de direito de Lorrana na faculdade, José Henrique Fernandes e Murilo Mafra, designers que a ajudaram a montar o site.

Os usuários oferecem todo tipo de atividade, algumas inusitadas como uma hora de ombro amigo, arrumar bagunça, pular corda igual ao Rocky Balboa e coreografia da música Single Ladies, da cantora Beyoncé.

O público alvo são jovens entre 22 e 28 anos e a média de idade é 26. Entre os usuários, 60% são homens e 40%, mulheres.

Algumas trocas são presenciais, outras por Skype.

"A gente incentiva a troca offline para que as pessoas desenvolvam mais laços, vivam a experiência", diz o sócio José Henrique Fernandes, 23, formado em design gráfico na Universidade Tecnológica Federal do Paraná.

Lorrana está morando em Glasgow, na Escócia, porque o Bliive ganhou uma bolsa do Sirius Programme, projeto de aceleração de start-ups do Ministério do Comércio e Investimento do Reino Unido. O programa escolhe projetos promissores de empreendedores que tenham até dois anos de formados, além de dar 50 mil libras e oferecer mentoria e um escritório.

Lorrana está lá com mais duas pessoas da equipe do Bliive, que hoje conta com seis pessoas no total. Tem um ano para fazer o Bliive decolar no Reino Unido.

Esse não é o único prêmio que Lorrana ganhou. Ela recebeu o prêmio Jovens Inspiradores da Editora Abril e da Fundação Estudar, uma bolsa de R$ 30 mil que ela pretende usar para fazer um curso de verão nas universidades Stanford ou Harvard.

Foi eleita uma das integrantes do Global Shapers Community, do Fórum Econômico Mundial, e um dos dez brasileiros mais inovadores com menos de 35 anos pela revista de tecnologia do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).

O Bliive venceu também o desafio Intel Brasil. Seu sócio José Henrique passará um tempo no Vale do Silício e terá aulas com professores da Universidade Stanford.

PRÓXIMOS DESAFIOS
O desafio agora é tornar o Bliive lucrativo. "Não queremos banners e propaganda, porque isso pode desvirtuar o conceito do negócio", diz Lorrana.

A aposta é o Bliive Grupos, plataforma customizada para empresas e universidades. Segundo ela, a troca de tempo traz vantagens para as empresas: os funcionários aprendem algo novo, conhecem alguém e melhoram a integração, capacitação e colaboração dentro da empresa.

Cria-se um grupo próprio dentro da plataforma do Bliive e a empresa paga uma mensalidade proporcional ao número de funcionários. Hoje, o Bliive já trabalha, em beta, com três empresas no Brasil (dois espaços de coworking e uma empresa de construção de casas sustentáveis) e três em Londres (coworking).

"Até maio de 2015 precisamos ter um faturamento mensal de R$ 16 mil", diz Lorrana. Neste ano, a meta é aumentar o número de usuários no Brasil e internacionalizar. No fim do ano, o Bliive lança um aplicativo móvel para iOS e Android.

Por fim, os sócios estão buscando o chamado "investidor anjo", alguém que aposte na empresa.

"Sempre sonhei alto, sabia que o Bliive era novo e tinha potencial para mudar a vida das pessoas", diz Lorrana, que hoje é CEO e relações públicas da empresa.

"O nosso é o único site de troca de tempo –os outros trocam serviços, produtos, coisas que você precisa pagar", diz Fernandes. "Partimos do princípio de que a minha hora vale o mesmo que a sua, seguindo a linha da economia colaborativa, como o Airbnb".


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