Folha de S. Paulo


Fundação em SC dá tratamento de primeiro mundo a pacientes renais

Aos 16 anos, os rins de João Alberto da Silva pararam em razão de uma nefrite (inflamação renal) não diagnosticada a tempo. Após oito anos fazendo diálise, ele recebeu um transplante de rins em 2013. "A coisa mais emocionante foi voltar a urinar."

Fernanda Ribeiro descobriu aos 19 anos que tinha insuficiência renal crônica, adquirida por hipertensão, que também desconhecia ter. Hoje, aos 27 anos, ela faz diálise três vezes por semana.

Na Fundação Pró-Rim, com sede em Joinville (SC), histórias como a de João e a de Fernanda se repetem: pessoas jovens, portadoras de doenças passíveis de prevenção que, sem cuidados adequados, tiveram falência dos rins e agora precisam de diálise ou de transplante renal.

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Quem depende do tratamento para sobreviver precisa ficar ligado a uma máquina –três dias por semana, durante quatro horas por dia– que fará a filtragem do sangue, ou seja, vai cumprir a função dos rins.

"As dificuldades são muitas, especialmente para o paciente da rede pública. É fácil desistir da vida", diz o nefrologista Hercílio Alexandre da Luz Filho, 62, presidente e fundador da Pró-Rim.

Nascido em Joinville e formado em medicina pela Universidade Federal de Santa Catarina, ele conta que foi a realidade dos pacientes sem recursos que o motivou a criar a fundação, em 1987.

A iniciativa foi em parceria com o amigo José Aluísio Vieira, também nefrologista, que liderou na década de 1970 o primeiro transplante renal em Santa Catarina.

"Tínhamos o sonho de oferecer ao paciente da rede pública um tratamento digno, com máquinas de diálise mais seguras e uma equipe que cuidasse também dos aspectos nutricionais, psicológicos e sociais", lembra.

Luz Filho sabia que, se dependesse apenas dos recursos públicos, só poderia oferecer o tratamento básico de diálise.

Envolver a sociedade, por meio de doações, foi a saída. Hoje, 18 mil pessoas de todo o país contribuem mensalmente para a instituição com pequenas quantias.

"Vamos salvar vidas" é o grito de guerra com o qual a supervisora do call center, Gizeli Dadam, motiva sua equipe todas as manhãs antes do início das ligações telefônicas em busca de doações.

De cem ligações feitas, só dez resultam em uma conversa com o atendente. Dessas, três pessoas ajudam com algum valor. "Já recebemos doação de R$ 0,50 a R$ 500, mas a média é de R$ 6,50, R$ 7,50. Ontem, totalizamos R$ 1.820", diz Gizeli.

Somadas, essas pequenas doações representam 50% da receita da Pró-Rim, que em 2013 foi de R$ 32,44 milhões. Para Luz Filho, elas são fundamentais para manter a qualidade dos serviços. São 56 mil atendimentos ambulatoriais e 150 mil hemodiálises todos os anos. Desde sua criação, a fundação já fez 1.200 transplantes renais.

PREVENÇÃO
Os atendentes do call center são treinados também para disseminar informações sobre a doença renal e as formas de prevenção, como manter a diabetes e a hipertensão controladas.

Às vezes, a história da doença é contada em primeira pessoa pelo próprio atendente. Ao menos três pacientes da Pró-Rim trabalham no call center. É o caso de Sandra, 28, que fez transplante renal em 2010. Ela nasceu com um rim atrofiado e perdeu o outro após uma série de infecções urinárias.

"Se a pessoa dá espaço, eu conto [sua história de vida], mas é raro. Grande parte já atende o telefone dizendo que não tem tempo."

A Pró-Rim também desenvolve projetos na área de prevenção, entre eles um grupo teatral ("Rins do Riso") que faz apresentações sobre o tema em empresas, escolas, igrejas e hospitais.

O conceito de prevenção também vale para quem já tem a doença. Além de alimentação equilibrada e a prática de atividade física, o paciente em diálise precisa evitar a ingestão de líquidos e o consumo de alimentos com sódio e potássio.

"Em cada estágio da doença, a orientação nutricional é muito importante. Há complicações sérias relacionadas à nutrição, como parada cardíaca e embolia pulmonar", afirma a nutricionista Fabiana Baggio Nerbass.

Segundo ela, mudanças grandes e bruscas no hábito alimentar geralmente não são bem aceitas e dificultam a adesão às orientações. "Devem ser pequenas e gradativas", diz.

O apoio psicológico também é fundamental. "Quando o paciente recebe a notícia de que precisará de uma máquina para sobreviver, o impacto é muito grande. A doença altera a vida. Em geral, perdem o emprego, sofrem de impotência sexual e passam a ser vistos como dependentes", conta a psicóloga Rose Gasparini.

GESTÃO E PROJETOS
Nos últimos oito anos, a Pró-Rim tem passado por uma grande mudança nos processos de gestão e planejamento estratégico, depois de uma parceria com a Fundação Dom Cabral.

Um avanço foi a implantação do Sistema Tasy, que permite, entre outras coisas, o acesso imediato ao prontuários dos pacientes, o que facilita a comunicação e a troca de informações entre as unidades da instituição.

A Pró-Rim também investe na construção de um novo hospital, que ainda depende de doações e parcerias para se tornar realidade.

O investimento previsto é de cerca de R$ 60 milhões –um grupo de investidores proverá os recursos financeiros para a construção do hospital. "Mas é preciso equipar o hospital, clínicas e consultórios. Estamos em busca de mais doações e parcerias", explica Luz Filho.


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