Folha de S. Paulo


Justiça suspende nota zero em redação do Enem que ferir direitos humanos

A Justiça Federal determinou a suspensão da regra do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que dá nota zero, sem direito à correção de seu conteúdo, para a prova de redação que seja considerada desrespeitosa aos direitos humanos. A decisão já vale para a edição deste ano e foi tomada em caráter de urgência a pedido da Associação Escola Sem Partido, tendo em vista a proximidade da realização das provas, que acontecem nos dias 5 e 12 de novembro.

Em julgamento nesta quarta-feira (25), a 5ª turma do TRF-1 (Tribunal Federal da 1ª Região) acolheu o pedido da Associação Escola Sem Partido por 2 votos a 1.

O item 14.9.4 do edital do Enem 2017 estabelece que será atribuída nota zero à redação "que apresente impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação, bem como que desrespeite os direitos humanos, que será considerada 'anulada'".

Na ação, a Associação Escola Sem Partido sustenta que "nenhum dos candidatos deveria ser punido ou beneficiado por possuir ou expressar sua opinião" e que não existe um referencial objetivo sobre os parâmetros adotados, "impondo-se aos candidatos, em verdade, respeito ao 'politicamente correto'".

ZERO SEM CORREÇÃO

No decorrer do processo, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) argumentou que não cabe ao poder Judiciário estabelecer regras e critérios de correção de processos seletivos.

Para o desembargador federal Carlos Moreira Alves, relator do processo, não se trata de critério de correção de prova, mas, sim, de negativa de correção dela, "mediante atribuição de nota zero sem que se faça tal atribuição mediante a avaliação intelectual de seu conteúdo ideológico".

Ao analisar o caso, portanto, o magistrado afirma ter invocado dois fundamentos que sustentariam a ilegitimidade do item 14.9.4 do edital do Enem: a ofensa à garantia constitucional de liberdade de manifestação de pensamento e opinião e a ausência de uma referência objetiva no edital do exame.

Ele afirma que esses fatores resultariam na "privação do direito de ingresso em instituições de ensino superior de acordo com a capacidade intelectual demonstrada, caso a opinião manifestada pelo participante venha a ser considerada radical, não civilizada, preconceituosa, racista, desrespeitosa, polêmica, intolerante ou politicamente incorreta".

A assessoria de imprensa do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) afirmou que ainda não foi notificada da decisão e que, quando isso ocorrer, vai recorrer.

Em nota, a pasta comunicou que estão mantidos os critérios de avaliação das cinco competências da redação do Enem 2017 tal como divulgados em seus documentos oficiais, como a Cartilha do Participante.

"Aos participantes do Enem 2017, o Inep reafirma que está tudo organizado com segurança e tranquiliza a todos quanto à realização das provas", diz ainda a nota.

A reportagem entrou em contato com o advogado Miguel Nagib, que representou a Escola Sem Partido. Ele afirmou, no entanto, que "não dá entrevista para o UOL".

Na página da associação no Facebook, a decisão foi comemorada. "Sob a aparência de "respeito aos direitos humanos", o Inep está impondo aos estudantes uma verdadeira censura prévia. Diante da ameaça de zerar na prova de redação –a mais importante do exame–, os participantes se veem forçados a abjurar de suas crenças e convicções", diz o trecho de uma postagem.

editoria de arte/folhapress

EQUÍVOCO

A regra punitiva sobre direitos humanos na redação do Enem existe desde 2013, apesar de a prova de redação do Enem sempre ter assinalado a necessidade de o participante respeitá-los, conforme explica a Cartilha do Participante.

Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, classificou a decisão do TRF1 como "um equívoco" e disse que ela não é uma vitória para a Associação Escola Sem Partido.

"A decisão ainda está nebulosa, porque a redação pode ser zerada, mas não pode deixar de ser corrigida. Parece-me que não foi uma vitória do ESP [Escola Sem Partido], foi uma interpretação para não prejudicar os candidatos. Ainda assim, é um equívoco", disse.

Para Cara, a decisão do TRF1 é apenas o último episódio de uma série de retrocessos relacionados aos direitos humanos no âmbito da educação.


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