Folha de S. Paulo


Helen Barbosa da Cruz, 33

'Ilhada', mulher usa ensino a distância para se tornar a 1ª graduada na família

Erich Macias/Folhapress
Helen Barbosa de Cruz, 33, em Afuá (PA), onde mora
Helen Barbosa de Cruz, 33, em Afuá (PA), onde mora

Moradora de Afuá, no noroeste da ilha de Marajó (PA), Helen Barbosa da Cruz, 33, acreditava que cursar uma faculdade de pedagogia era, literalmente, um sonho muito distante. A cidade grande mais próxima é Macapá, que fica a pelo menos duas horas de barco.

Em 2014, Cruz descobriu que poderia cursar a graduação a distância, usando um polo na capital do Amapá. Na época, ela morava em um comunidade ribeirinha sem acesso à internet e assistia às videoaulas a partir de um aparelho de DVD. Para fazer as provas, ia ao centro uma vez ao mês, depois de uma longa viagem de barco.

Hoje, prestes a se formar, não vê a hora de começar uma pós-graduação em gestão educacional.

*

Sempre quis ser professora. Em 2001, me formei no magistério, mas cursar uma faculdade de pedagogia era um sonho muito distante.

Nasci em Santana, no Amapá, mas desde os meus sete anos vivo em Afuá, na ilha de Marajó, no Pará. A cidade grande mais perto é Macapá, que fica de duas a seis horas daqui, dependendo da embarcação e da maré.
Nessas condições, seria bem difícil fazer uma graduação presencial, por causa do deslocamento e também da questão financeira.

Em 2012, me tornei professora da rede municipal. Depois de um ano de trabalho, fui transferida para o interior do município, na ilha do Caldeirão, que fica de seis a oito horas de barco daqui.

Dava aula para uma sala de 26 alunos, que tinha desde crianças de pré-escola até o quinto ano do ensino fundamental. Eram filhos de trabalhadores que fazem extração de palmito e açaí nessa região.

Lá, eu morava num quartinho na própria escola e só conseguia voltar uma vez por mês à cidade para ver minha família. Em uma dessas visitas, meus amigos me contaram que um pessoal da Uninter tinha ido até a cidade distribuir uns panfletos sobre educação a distância.

Fiquei interessada, mas muita gente disse que a qualidade não deveria ser a igual à da faculdade presencial. Mesmo assim, decidi agendar o vestibular no polo em Macapá e, em fevereiro de 2014, comecei a graduação.

Como onde eu morava não tinha acesso à internet, comprei um aparelho de DVD e uma TV de 14 polegadas para conseguir assistir às videoaulas do curso.

Aproveitava para estudar das 19h até as 22h, quando o gerador da comunidade funcionava. Mas, às vezes, faltava óleo, e o tempo com energia ficava menor.

Uma vez por mês, ia ao polo para fazer as provas. Nem sempre era possível pegar um barco direito para Macapá. Então, eu tinha que viajar até Afuá para, de lá, pegar uma outra embarcação.

Em junho de 2015, voltei à cidade para trabalhar em um projeto de reforço escolar para crianças carentes. Foi ótimo porque passei a ter acesso à plataforma on-line da faculdade. Antes, o interesse em estudar tinha que ser ainda maior, porque eu não tinha como tirar as dúvidas.

Achei o ensino a distância maravilhoso, porque eu determino o meu horário. A faculdade mudou o meu pensamento tanto como aluna quanto como professora.

Sou a primeira da minha família fazer uma graduação. Minha irmã até começou o curso comigo, mas, como ela mora em um município mais afastado, teve dificuldade para se deslocar ao polo e acabou desistindo.

Agora, faltam poucos meses para eu me formar, e o coração está a mil. Durmo e acordo pensando no dia da colação. Não vejo a hora de começar a pós-graduação. O ensino a distância me fez ir além.


Endereço da página:

Links no texto: