Folha de S. Paulo


Novo Fies prevê dívida fixa e fim do prazo de carência para pagamento

Avener Prado - 12.mar.15/Folhapress
Inscritos no Fies passam a madrugada em frente a faculdade para validar matrículas, em 2015
Inscritos no Fies passam a madrugada em frente a faculdade para validar matrículas, em 2015

O governo Michel Temer planeja uma revisão no Fies (financiamento estudantil) que prevê o fim do prazo de carência para que estudantes beneficiados iniciem o pagamento da dívida. Hoje, as parcelas começam a ser pagas somente após um ano e meio.

As alterações devem afetar tanto as condições para alunos como para as instituições de ensino superior particulares. O fundo que funciona como um fiador de parte da inadimplência dos estudantes também sofrerá mudanças.

As novas regras devem ser anunciadas neste mês. Valerão para contratos futuros.

Pelo formato atual, o aluno faz o curso universitário enquanto o governo paga para a instituição de ensino. Ao terminar o curso, ele tem um ano e meio para começar a quitar as parcelas do financiamento. Esse prazo não será mais previsto no novo Fies.

Por sua vez, assim que o aluno firmar o contrato, ele já saberá o valor total da dívida. Atualmente, o financiamento é atualizado a partir do reajuste de mensalidades.

NOVOS CONTRATOS - Alunos que entraram no programa a cada ano, em milhares

Ainda não está definido quem arcaria com a diferença caso a instituição decida reajustar preços. Há uma lei que garante reajuste anual de acordo com os custos do curso, independentemente da inflação.

Desde o ano passado a área econômica do governo comanda proposta de revisão do programa. O Fies foi criado em 1999, mas, a partir de alterações feitas em 2010, que facilitaram as condições de acesso, o número de contratos disparou. O salto de gastos foi ainda maior.

De 2010 a 2014, o programa consumiu mais de R$ 29 bilhões, acumulando até ali 1,9 milhão de contratos ativos. Atualmente o número de beneficiados é de 2,3 milhões.

O objetivo das mudanças, segundo integrantes da área econômica do governo, é dar sustentabilidade financeira ao programa –que já sofreu enxugamento de bolsas.

Para a área econômica, a prioridade é conter o rombo no caixa. Como o novo desenho só valerá para contratos futuros, a economia nas despesas deve ser gradual e vai depender da oferta de vagas.

Só em 2016, o governo gastou cerca de R$ 30 bilhões, entre valores com mensalidades e subsídios. Membros do governo insistem que ajustes são necessários para que o Fies continue e seus impactos sejam mais previsíveis.

Mudanças no Fies

GARANTIA

Uma espécie de poupança anticalote, o chamado Fundo Garantidor do Fies, também passará por mudanças.

Hoje, apenas 10% da inadimplência é coberta pelo fundo, composto a partir de uma parcela de 5% dos valores financiados.

A previsão é ampliar para 25% a faixa de cobertura de calote. A medida pode impactar no custo para universidades e faculdades privadas.

O governo prevê, entretanto, mecanismos de compensação para as escolas que tiverem inadimplência menor.

A inadimplência do Fies atingiu 53% dos contratos em fase de pagamento no fim do ano passado, como a Folha revelou em janeiro. Quase 30% do total tinham atrasos de mais de um ano.

A inadimplência é similar se levarmos em conta apenas contratos firmados a partir de 2010 e já em fase de amortização. Dos 172 mil contratos nessa situação, 50% estavam atrasados –20% do total em mais de um ano.

CUSTOS - Gastos do governo com o Fies, em R$ bilhões

Como o avanço mais forte do novo Fies se deu a partir de 2012, o maior volume de financiamentos ainda não entrou em fase de amortização. O governo prevê que o nível de atraso continue alto.

Ainda no governo Dilma Rousseff (PT) foram feitas alterações para reduzir os gastos. A partir do final de 2014, por exemplo, o governo passou a exigir notas mínimas no Enem dos interessados.

Depois passou a limitar as vagas por semestre. Até então, não havia limite: as instituições firmavam os contratos, e o MEC (Ministério da Educação) só confirmava.

Em 2015, os juros foram alterados de 3,4% para 6,5% e o limite de renda, restringido. Também houve priorização por curso e região.

Não estão previstas mudanças na taxa de juros, no perfil de renda (até 3 salários mínimos) e na relação de cursos prioritários (de saúde, engenharias e formação de professores). Um teto de mensalidades de R$ 5.000 deve ser mantido –estuda-se, entretanto, criar alternativas para cursos caros, como medicina.

Um comitê interministerial coordenado pelo MEC, Planejamento e Tesouro será criado para o Fies. Haverá a divulgação de acompanhamento trimestral.

Inadimplência - A porcentagem de ex-alunos com pagamentos atrasados tem girado em torno de 50%

ENSINO SUPERIOR

O enxugamento do Fies ocorre entre a convicção de ajuste no programa, que mesmo antes da crise econômica tinha gastos sem controle, e a necessidade do país em ampliar o acesso ao ensino superior.

O Brasil tem 18,1% dos jovens de 18 a 24 anos na universidade. A meta do PNE (Plano Nacional de Educação) é chegar a 33% em 2024.

Como as vagas nas universidades públicas são insuficientes, 76% dos 8 milhões de universitários estão nas particulares. Mas cerca de 30% dos estudantes das instituições privadas têm Fies ou Prouni.

Em 2015, quando o Fies já passava por enxugamento, o número de novos alunos teve a primeira retração desde 2009.

Uma pesquisa recente encomendada pela ABMES (associação que representa as faculdade privadas) com jovens do ensino médio indica que 62% dos estudantes atrasariam a entrada na faculdade por não terem condições de pagar.


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