Folha de S. Paulo


Retirada de 'identidade de gênero' do currículo é criticada por entidades

Apu Gomes - 18.ago.2011/Folhapress
Alunos têm aula de português em sala de aula lotada, na zona sul de São Paulo
Alunos têm aula de português em sala de aula lotada, na zona sul de São Paulo

Entidades e movimentos que atuam na área de educação criticaram nesta sexta-feira (7) a decisão do MEC (Ministério da Educação) de retirar todas as menções às expressões "identidade de gênero" e "orientação sexual" da nova versão da base nacional curricular, documento planejado para servir como referência para o ensino nas escolas públicas e privadas do país.

A informação sobre a mudança no documento foi antecipada nesta quinta-feira (6) pela Folha. Os termos constavam no texto da nova base curricular distribuído dois dias antes a jornalistas, para que houvesse antecedência na leitura e elaboração de reportagens sobre o tema.

Sem aviso, porém, a pasta retirou da versão entregue ao Conselho Nacional de Educação todas as menções às expressões "identidade de gênero" e "orientação sexual", antes presentes em trechos que citavam a necessidade de ensinar estudantes a respeitar, valorizar e acolher a "diversidade e pluralidade".

Um trecho que citava a necessidade de não haver "preconceitos baseados nas diferenças de sexo, de identidade de gênero e de orientação sexual", por exemplo, foi modificado para constar apenas "sem preconceitos de gênero".

Em nota, representantes de entidades que atuam na área de educação afirmaram terem sido pegos de surpresa pela mudança e pedem que o documento seja revisto.

Para o presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação), Idilvan Alencar, a retirada das duas expressões foi uma atitude "conservadora" e "desrespeitosa". "Não se pode fazer exclusões do documento da base dessa forma. Homofobia é uma das causas fortes de abandono escolar. [Retirar] é de certa forma aceitar a homofobia como algo normal na escola", afirmou.

O Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) informou que considera "retrocesso a retirada do trabalho pedagógico com questões de gênero e de orientação sexual".

"Políticas públicas educacionais, para que sejam bem sucedidas, precisam de ampla adesão da comunidade educacional na construção de consensos possíveis. Por isso, a BNCC [Base Nacional Comum Curricular] deve ser discutida abertamente pela sociedade e não apenas por um ou outro setor."

Formado por especialistas que acompanharam as discussões sobre a base, o Movimento pela Base Nacional Comum também informou que foi "surpreendido" pela retirada das expressões.

"Embora o atual texto da base siga defendendo a pluralidade, a diversidade e o combate ao preconceito, acreditamos que identidade de gênero e orientação sexual, pela sua relevância, devam estar explicitamente colocadas ao longo do texto, da forma que estavam na versão que pudemos ter acesso", completa.

Membros da bancada evangélica, por sua vez, celebraram a retirada das duas expressões do texto da base curricular.

Conforme a Folha divulgou, deputados da frente tiveram um encontro com o presidente Michel Temer na quinta-feira para convencê-lo do quão "absurda" era "a pedagogia que busca impor uma teoria com base sociológica que desconsidera a realidade biológica das crianças e adolescentes". O grupo também teve ao menos dois encontros prévios para discutir o assunto com o ministro da Educação, Mendonça Filho.

Entenda a base curricular

'VERSÃO ERRADA'

Questionado sobre as mudanças, o Ministério da Educação respondeu à Folha nesta quinta-feira que o documento "passou por ajustes finais de editoração/redação que identificaram redundâncias".

"Em momento algum as alterações comprometeram ou modificaram os pressupostos da Base Nacional Comum Curricular", disse a pasta, para a qual a nova versão "preserva e garante como pressupostos o respeito, abertura à pluralidade, a valorização da diversidade de indivíduos e grupos sociais, identidades, contra preconceito de origem, etnia, gênero, convicção religiosa ou de qualquer natureza".

Já a presidente do Inep, Maria Inês Fini, disse nesta sexta-feira que "houve um equívoco" na entrega do documento [para jornalistas], que receberam uma "versão anterior".

Segundo ela, a decisão por retirar os termos ocorreu por considerar que os termos estavam "implícitos em outras áreas da ciência na base curricular."

"Essa foi uma decisão do comitê gestor que fez a revisão final antes. Lamentavelmente foi passado para vocês a versão anterior. Isso foi retirado muito antes da versão final", disse.


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