Folha de S. Paulo


Em crise, USP quer impor teto de gasto com salário de funcionário

Eduardo Anizelli - 24.nov.2016/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 24-11-2016: Praca do relogio da USP. Foto para o caderno especial sobre a USP. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, FSP-TREINAMENTO) ***EXCLUSIVO***
Praça do Relógio, na Universidade de São Paulo; reitoria da instituição quer impor teto de gastos e congelar reajustes quando a folha de pagamento superar 80% dos repasses do governo do Estado

A USP quer impor um teto de gastos com salários de funcionários e congelar reajustes e contratações quando o comprometimento com a folha de pagamento superar 80% das verbas recebidas do Estado. O gasto com pessoal é maior do que o orçamento da instituição desde 2014.

Em crise, a universidade congelou contratações e realizou dois planos de demissão voluntária no período.

A proposta da reitoria, chamada Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-financeira, será analisada na próxima reunião do Conselho Universitário, instância máxima da instituição. O encontro ocorre em 7 de março.

REPASSES DO GOVERNO DE SP - Verba recebidas pela USP, em R$ bilhões

No ano passado, a folha de pagamento representou 104,95% dos repasses e, para este ano, a previsão é de 96,5%. A USP é financiada por uma parcela fixa de 5,0295% do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

Pelo novo plano, o teto de 80% de gasto com a folha de pagamento passa a valer em cinco anos. Até lá, os parâmetros impõem limites a reajuste e novas contratações.

Se aprovado, a USP deverá, a cada ano, tomar medidas que reduzam em cinco pontos percentuais a proporção da despesa com pessoal.

NO LIMITE - USP quer congelar reajustes, caso gasto com servidores supere 80% dos repasses

Qualquer reajuste no período deverá acompanhar a evolução dos repasses do ICMS. Como esses valores tiveram queda em 2015 e 2016, por exemplo, o aumento salarial de 3% concedido no ano passado não poderia ocorrer.

Há um decreto que indica um limite prudencial de gasto de até 75% do orçamento com a folha de pagamento. Entretanto, nunca houve na USP uma regra que atrelasse esse gasto com congelamento de reajustes e contratações.

A USP não alcança uma proporção de 80% com salários desde 2010. Naquele ano, a rubrica representou 79,26% dos recursos recebidos.

ORÇAMENTO DE 2017 - Verbas previstas pela universidade para este ano, em R$ bilhões

REDUÇÃO

Não há previsão explícita de demissão de funcionários, mas o novo parâmetro estipula uma redução no quadro de funcionários técnico-administrativos. Hoje, os 14.977 servidores representam quase 70% do total de funcionários (o restante é professor).

A nova regra prevê que os técnico-administrativos representem até 60% do total de funcionários. Reposições de vacâncias serão limitadas até chegar ao índice.

Para alcançar esse patamar, caso o número de professores se mantenha, o quadro de técnicos deveria perder cerca de 6.000 pessoas (redução de 41%).

QUADRO DE FUNCIONÁRIOS - Até que os professores representem 40% do total de servidores, contratações de técnico-administrativos serão limitadas

As entidades sindicais que representam os funcionários mostraram preocupação com a proposta. Magno de Carvalho, diretor do Sintusp (que representa os técnico-administrativos), diz que nenhum ponto foi discutido com antecedência com algum representante da categoria.

"Ficamos perplexos com esse documento, que aponta mais demissões e representa o desmonte da universidade", diz ele. "Com essa projeção, não vai ter condições de tocar a universidade."

No ano passado, funcionários e professores entraram em greve exigindo reajuste de 12,34%. A universidade concedeu 3%.

A direção da Adusp (Associação dos Docentes da USP) já acionou seu departamento jurídico para analisar a proposta da reitoria. "É mais um reflexo da política do reitor [Marco Antonio] Zago de fazer pressão sobre a mão de obra da universidade e não em cima do Estado, para que haja mais verba para a universidade", diz Adriana Tufaile, diretora da Adusp.

"A crise da USP é de financiamento. A universidade cresceu nos últimos anos e o porcentual do ICMS continuou o mesmo", completa ela, que também fala em desmonte da universidade.

Questionada, a reitoria só informou que o teto de gastos com pessoal passaria a valer em 2022. Presidente da Comissão de Orçamento e Patrimônio da USP, o professor Adalberto Fischmann afirma que os parâmetros são para dar sustentabilidade.

"Nenhuma entidade pode viver com a situação da USP hoje, com 100% do orçamento com salários", diz. "Mas ainda haverá discussão onde colocaremos a régua", diz.

A proposta precisa passar no Conselho Universitário. Pela disposição do órgão, historicamente o reitor consegue aprovar suas pautas.

CRECHES E HOSPITAL

Em meio à tentativa do reitor Marco Antonio Zago de reduzir os gastos com salários, tendo já promovido dois planos de demissão voluntária na USP, houve também redução de recursos para áreas como creches e o HU (Hospital Universitário). O argumento é privilegiar as chamas "atividades fim": ensino, pesquisa e extensão.

Com falta de profissionais, dispensados a partir de 2014 com o plano de demissão, os atendimentos no HU tiveram forte recuo. As consultas ambulatoriais caíram 30% de 2013 para 2015, como revelou a Folha em junho de 2016.

O plano do reitor é desvincular o hospital da universidade, repassando a unidade para o governo do Estado. O repasse, entretanto, foi barrado no Conselho Universitário.

O segundo plano de demissão de Zago, aprovado em julho de 2016, não incluiu servidores do HU. Apesar disso, não houve reposições. "A oferta de leitos depende de enfermeiros, o hospital continua naquele caos crônico", diz o médico Gerson Salvador, diretor do Sindicato dos Médicos de SP.

Atendimentos noturnos no PS (pronto-socorro) foram interrompidos no ano passado. O funcionamento do PS infantil à noite já fora cancelado em 2015.

CRIANÇAS

No início deste ano, a reitoria decidiu fechar uma das duas creches que funcionam na cidade universitária, zona oeste da capital paulista. A chamada Creche Oeste atendia 40 crianças, mas tem capacidade para atender 120.

Em vez de preencher as vagas ociosas, a decisão foi transferir as crianças para a Creche Central e desativar o prédio Oeste.

Mães, educadores, estudantes e funcionários não aceitaram e decidiram ocupar o prédio. A ocupação ocorre desde 17 de janeiro.

"Ocupamos para impedir que a reitoria retirasse os equipamentos e móveis. Todos fomos pegos de surpresa com a decisão", afirma a pesquisadora Isadora Guerreiro, 35, que tem uma filha na creche.

As crianças do prédio Oeste estão na creche central, mas a ocupação é mantida. "É um desmonte da universidade", diz.

Em nota, a reitoria ressalta que o plano de demissão atingiu a quantidade de servidores das creches.

"Assim, ao iniciar o ano de 2017, as creches foram orientadas a receber o número de crianças que podem ser atendidas com segurança", diz a nota.

A USP diz que os estudantes mantidos nas creches próprias custam caro e que o ideal seria ampliar o pagamento de vale-creche (de R$ 538). Segundo dados de 2015, recebem o vale 3.319 funcionários.

"O uso das creches pode ser visto, portanto, como um privilégio de um pequeno grupo que, no momento, impede o aumento do auxílio-creche para todos", defende a reitoria.


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