Folha de S. Paulo


Escolas ensinam alunos a criarem seus próprios games em São Paulo

Com ajuda de um programa, um grupo de alunos cria um feudo medieval, enquanto outros aprendem sobre insetos numa partida no computador. Se o uso de jogos eletrônicos já é realidade em alguns colégios, a tendência é ensinar aos estudantes como criar seus próprios games.

É o que acontece no Colégio Bandeirantes, na zona sul de São Paulo. Os alunos desenham a estrutura do jogo num papel quadriculado, que depois é fotografado e vira um game para computador e celular.

"A escola precisa acolher o aluno, e a ideia é trabalhar o jogo como uma linguagem que faz parte do seu universo", diz Tiago Eugênio, professor responsável pela aula, atividade extracurricular a partir do 5º ano.

"Desde pequeno eu jogava videogame. Quando apareceu a chance de fazer essa aula, eu aproveitei na hora", conta Pedro Paes, 13, aluno do 8º ano do Bandeirantes.

A oficina de games começou há três anos usando o Minecraft —em que o jogador faz de pequenas construções a cidades inteiras. No início deste ano, o projeto mudou e os próprios alunos passaram a criar jogos usando aplicativos e conhecimentos de programação. "A parte mais legal é fazer o design e criar os personagens", diz Paes.

"Os jogos envolvem diferentes matérias: inglês, matemática, toda uma parafernália de física. Se você ensina o aluno a fazer um jogo, ele desenvolve essas habilidades também", diz Marco Giroto, sócio e CEO da SuperGeeks, escola que ensina programação a crianças.

PROJETO PEDAGÓGICO

No Colégio Visconde de Porto Seguro, no Morumbi, zona oeste de São Paulo, a disciplina de games faz parte do currículo a partir dos 4 anos de idade.

"A escola tem que estar mergulhada na tecnologia. Ela nunca será a vanguarda desse movimento, mas precisa levar para dentro o que os alunos vivem no dia a dia", afirma Joice Lopes Leite, coordenadora de tecnologia educacional da escola.

Para Lopes, não adianta apenas usar os jogos, é preciso que eles façam parte do projeto pedagógico. "Só usar o game na sala de aula é tecnologia pela tecnologia. O pulo é fazer o aluno entender como funciona", diz ela.

"Já fizemos projeto de história com feudos. Pegamos os elementos característicos para construí-los", exemplifica Francisco Tupy, professor do Porto Seguro e pesquisador de tecnologia na educação.

"Eu gosto de aprender a fazer, porque sempre joguei, mas não sabia como funcionava", afirma Sérgio Bolina, 10, estudante do 5º ano do Porto Seguro.

"Quando se usa um jogo na escola, aproximamos do conhecimento o conteúdo que o aluno vê em casa. O jogo vira um objeto de estudo, permite trabalhar habilidades como visão crítica, comunicação e colaboração", completa Tupy.

Já Eugênio, do Bandeirantes, utilizou a mecânica de "Pokémon Go" num jogo cujo objetivo é capturar insetos. "Eu poderia simplesmente passar a matéria na lousa, de um jeito tradicional, mas os alunos não iriam aprender com o mesmo brilho nos olhos", afirma.

Para a advogada Alessandra Borelli, diretora-executiva de Nethics, empresa especializada em educação digital, o uso dos games no ensino é benéfico, desde que haja também atividades físicas e um claro limite de tempo diante da tela.

"A família precisa trabalhar com a escola para que a criança aprenda a separar realidade de ficção", diz.

BLOCO A BLOCO
Numa escola de São Paulo, alunos usam um jogo de computador para reconstruir de maneira virtual as áreas do município de Mariana (MG), destruídas pelo rompimento da barragem da Samarco, em novembro do ano passado.

Utilizando a interface do "Minecraft", o projeto está sendo desenvolvido pelo colégio Saint Clair, no Pari (região central de São Paulo).

"Primeiro, vimos no Google Maps como era a cidade. Depois, pesquisamos diferentes tópicos de aula que poderiam ser usados: matemática, história, geografia, ciências", diz Carla Luczyk, professora do colégio e idealizadora do projeto. "Dividimos como cada aluno trabalharia uma parte específica."

Segundo João Mattar, professor e pesquisador da Anhembi Morumbi na área de tecnologias na educação, o uso de games no ensino de outras disciplinas, como geografia ou história, aumenta o envolvimento do aluno e facilita a aprendizagem.

"As pesquisas mostram que uma classe que usou game e outra que não usou têm resultados parecidos logo após a aula. Mas, depois de alguns meses, a turma que usou games tem um resultado melhor, lembra mais da matéria", afirma.

Segundo ele, a presença dos games na sala de aula está aumentando, mas ainda costuma ser resultado de iniciativas individuais, e não parte do plano pedagógico.

"Ainda falta estrutura nas escolas. Quando esses projetos dão certo, em geral é ideia de um professor."


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