Folha de S. Paulo


Debate expõe visões 'inconciliáveis' sobre ideologia em sala de aula

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O debate sobre o movimento Escola sem Partido, promovido pela Folha na noite deste quarta-feira (3), refletiu as posições divergentes –e praticamente inconciliáveis– que têm dominado as discussões sobre o tema.

De um lado, seus defensores entendem que o projeto busca a neutralidade na sala de aula, em favor da qualidade da educação. Para os críticos, não passa de uma ideia autoritária que vai limitar a pluralidade de ideias nas escolas e constranger professores.

O movimento foi criado em 2004 para combater uma suposta doutrinação de esquerda que os professores praticariam nas escolas. Cinco projetos de lei inspirados no movimento tramitam no Congresso Nacional e preveem alterações na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).

Os textos são similares, reproduzidos a partir de minuta elaborada pelo movimento. Também há projetos em ao menos sete Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Alagoas adotou a política.

As propostas preveem a "neutralidade" dos professores, limitando que os docentes exponham sua opinião nas salas de aula. Haveria ainda canais de reclamações para que alunos e famílias denunciem professores que estejam em desacordo com as definições da lei.

Segundo os projetos, cada sala deve contar com um cartaz com os termos da lei. No texto de autoria do senador Magno Malta (PR-ES), a abordagem sobre as questões de gênero seriam vetados na escola.

Participaram do debate o procurador e presidente do movimento, Miguel Nagib, os professores Bráulio Matos –da UnB (Universidade de Brasília)–, Marco Antonio Carvalho Teixeira –da FGV– e o diretor do colégio Bandeirantes, Mauro Aguiar. A jornalista da Folha Sabine Righetti mediou o encontro.

O debate foi acalorado e quase não chegou ao fim. Parte da plateia, que apoiava o projeto, interrompeu a fala de Mauro Aguiar assim que ele iniciou sua exposição crítica sobre o tema. Houve gritos e troca de ofensas, mas a situação acabou controlada.

Nagib enfatizou a necessidade de debater os detalhes que constam no texto dos projetos. Segundo ele, a leitura dos artigos indicam que não há previsão de censura. "O projeto não proíbe falar de política na escola", disse Nagib. "A função é prevenir ameaças aos direitos das crianças, de liberdade de consciência e crença."

Matos afirmou que, em sua análise de currículos e materiais didáticos, ficou clara a falta de diversidade de visões de mundo e que muitos exemplos poderiam ser dados. Ele citou o material da escola de seu filho, que classifica o capitalismo como um sistema perverso, sem que outras abordagens fossem aprofundadas.

"Os sindicatos dos professores têm dito que não existe doutrinação. Mas, muitas vezes, eles sabem que existe, mas não veem problemas nisso", disse. "O problema da doutrinação tem provocado a perda de foco da função da escola. Existe uma relação entre doutrinação e qualidade de ensino e os projetos têm a função de chamar à prudência. Quando o professor pisa na bola, deve ser chamado a atenção. E, convenhamos, ele não está acima da lei."

Contrário aos projetos de lei, Teixeira afirmou que o diagnóstico do movimento Escola sem Partido não é consensual e que essa suposta realidade carece de pesquisa e comprovação. "Se houver doutrinação, o que acho que não existe, tenho dúvida se esse é um problema para uma lei. Isso pode ser resolvido dentro da escola", disse. "Toda proposta que investe no controle, que limita, pode levar ao autoritarismo."

Aguiar, por sua vez, ressaltou que já existem mecanismos para que abusos sejam punidos, como o Ministério Público e as próprias secretarias de Educação. "Não existe necessidade de constranger e controlar o professor. A educação brasileira tem problemas mais sérios do que essa pseudodoutrinação", disse. "É um projeto autoritário que vai contra a prática mais moderna de educação."

FAMÍLIA

Teixeira, da FGV, afirmou que a escola não pode ser vista como extensão da família. "A escola é o encontro de diferentes convicções e o projeto confunde a linha tênue entre o público e vida privada", disse, ressaltando a limitação de abordagem do tema da sexualidade, por exemplo, a partir da entrada de uma lei em vigor. "As novas gerações devem ir além do que pensam as famílias".

O professor comentava especificamente um dos artigos do projeto, em que se destaca que o professor "respeitará o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções". "Esse foi o único trecho que não escrevi, ele está previsto artigo 12 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos", defendeu Nagib.

O Ministério Público Federal encaminhou ao Congresso Nacional no último dia 23 nota técnica em que considera"inconstitucional" proposta de incluir o programa Escola Sem Partido na LDB. Especialistas em direito constitucional também questionam a proposta.


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