Folha de S. Paulo


Ninguém é obrigado a aderir à greve, diz professor alvo de briga na Unicamp

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Professores da Unicamp na reitoria enquanto aguardam reunião para cobrar mais mecanismos de segurança que lhes permitam dar aulas e aplicar provas em épocas de greve
Professores da Unicamp cobram segurança para dar aulas e aplicar provas em épocas de greve

Envolvido em uma discussão com estudantes cujo vídeo viralizou na internet na segunda (11), o professor do Instituto de Física da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) Ernesto Kemp afirmou à Folha que os docentes não são obrigados a aderir à paralisação estudantil, que acontece desde maio.

"Ninguém é obrigado a aderir à greve, foram tiranos", disse, sobre os estudantes que o impediram de aplicar prova.

Kemp afirma que há 40 dias fez uma votação em sala de aula e apenas três dos seus 38 alunos declararam apoio à greve. Em razão disso, a prova foi marcada com aval da maioria, alega.

"Perdi a cabeça e me exaltei [no episódio do vídeo] porque há meses enfrentamos essas dificuldades. Mas não agredi ninguém. Puxaram meu pé para me derrubar enquanto eu subia a escada para ir embora. Eles se dizem de extrema esquerda, mas são fascistas", afirmou sobre os estudantes.

Briga entre professor e alunos da Unicamp termina na delegacia

Na manhã desta quarta (13), cerca de 90 professores, indignados com o caso de Kemp e outras situações semelhantes na universidade, protestaram na reitoria.

Junto com diretores de institutos, eles cobraram condições básicas e segurança para dar aulas e aplicar provas. Segundo os docentes, a reitoria deu uma resposta vaga, que sugere diálogo em vez de medidas concretas que assegurem os direitos trabalhistas. À tarde os professores emitiram carta aberta pressionando novamente a Unicamp.

"Faz semanas que os estudantes impedem professores de diversos institutos de aplicarem provas. Alguns conseguem cobrar o exame online, como eu, mas outros não têm essa possibilidade. Nós nos sentimos desamparados pela reitoria", disse o professor Samuel Rocha de Oliveira, do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica, um dos organizadores do ato contra administração da instituição.

'SEM PRECEDENTES'

Em nota divulgada no final da tarde, a reitoria considerou o movimento grevista sem precedentes na história da Unicamp.

"Os atos de constrangimento e intimidação até aqui registrados não são próprios do ambiente universitário, no qual o respeito aos direitos individuais e coletivos e ao debate de ideias sempre prevaleceu.", afirmou, em nota. O documento ainda sustenta que a instituição adota as medidas cabíveis no âmbito jurídico e institucional sobre os casos relatados.

TENSÃO

Um dos momentos mais tensos dos conflitos entre professores e estudantes foi o registrado em um vídeo na segunda, quando dois alunos grevistas impediram o professor Ernesto Kemp de aplicar prova a uma turma de Biologia.

Os estudantes que bloquearam a porta da sala de aula, Aleph Silva, 21, aluno de Artes Cênicas, e Tatiane Lopes, 23, que cursa Ciências Sociais, afirmam que realizaram o ato para evitar prejuízos aos alunos, que, devido à paralisação não tiveram aulas e o conteúdo didático do semestre.

"A gente esperou para falar com ele. Não conseguimos. Avisamos que o exame não poderia acontecer. Ele começou a agredir [os estudantes] antes de o vídeo começar", disse Aleph Silva.

O coordenador do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da Unicamp, Guilherme Montenegro, afirmou que o órgão repudia a atitude do professor e pedirá abertura de sindicância. "O professor tentou aplicar o exame sem ter dado o conteúdo nas aulas, em razão das greves. Ele agiu de forma violenta contra os alunos".

Em relação às críticas feitas pelo professor, o estudante Aleph Silva disse à reportagem que "toda ação dos estudantes, inclusive no vídeo, é só uma resposta à agressão do professor". Ele diz que os estudantes sofreram ofensas homofóbicas e racistas diversas vezes, além de afirmar que a fala sobre extrema esquerda e ser fascista é "completamente absurda".

A confusão resultou em dois boletins de ocorrência. Um registrado pelo docente por lesão corporal e perturbação do trabalho. O outro pelos estudantes que reclamam de agressão, injúria racial e ameaça.

A Unicamp possui atualmente 1.795 docentes e outros 8.527 funcionários técnicos e administrativos. Somando-se todos os cursos de graduação mais mestrados, doutorados e especializações são cerca de 40 mil estudantes matriculados na universidade.

CONTRA PROVAS

A coordenação do DCE informou à Folha que fará bloqueios e impedirá a realização de todas as provas em 17 dos 24 institutos e faculdades da Unicamp que aderiram à greve em assembleia.

São eles os institutos de Artes, Filosofia e Ciências Humanas, Geociências, Economia, Estudos da Linguagem, Física, Biologia, Química e Matemática, Estatística e Computação Científica. Integram a lista do Diretório as faculdades de Engenharia Mecânica, Ciências Médicas, Enfermagem, Engenharia de Alimentos, Ciências Aplicadas, Arquitetura, Educação Física e o Programa de Formação Interdisciplinar Superior.

"Faremos intervenção em todos os exames de cursos em greve para que nenhum aluno seja prejudicado com notas e trabalhos após a greve", disse o coordenador do DCE, Guilherme Montenegro.

Após 59 dias de ocupação da reitoria, os alunos deixaram o prédio no último dia 7. Eles mantêm a paralisação e reivindicam mais moradias e cotas raciais na universidade, além de serem contrários ao corte de R$ 40 milhões anunciados pela instituição.

A saída do prédio deu-se após receberem um documento do reitor, José Tadeu Jorge, em que se comprometeu a avaliar os possíveis excessos cometidos pelos estudantes, docentes e funcionários, além de continuar as negociações das pautas estudantis.

Durante todo o mês de junho, os professores estiveram em greve reivindicando aumento salarial de 12%. O movimento foi suspenso após acordo que definiu reajuste de 3%. Já os trabalhadores técnicos e administrativos da instituição estão paralisados há 52 dias.


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