Folha de S. Paulo


Argentina resiste a aumento de alunos brasileiros em suas universidades

Hector Rio/Divulgação
A brasileira Tamiris Bianchi, que estuda medicina na Universidade de Rosario, vê preconceito por parte dos vizinhos
Tamiris Bianchi, que estuda medicina na Universidade de Rosario, vê preconceito por parte dos vizinhos

"Chega de arcarmos com os estudos dos estrangeiros. Nossas universidades estão caindo porque não há dinheiro para mantê-las. Deveriam cobrar uma tarifa diferenciada dos estrangeiros."

Esse comentário, de um leitor do jornal "El Ciudadano", foi publicado abaixo de uma reportagem sobre a presença massiva de brasileiros na faculdade de medicina da Universidade Nacional de Rosario, na Argentina.

O aumento do número de vizinhos nas instituições e a crise no ensino superior argentino (reitores de universidades públicas dizem que o orçamento não será suficiente neste ano por causa da inflação) exacerbaram o preconceito contra os estudantes estrangeiros.

"Não são todos, mas tem muito argentino que diz que a gente ocupa espaço e gasta material e equipamentos deles", diz a paulista Tamiris Bianchi, 21 anos, estudante da Universidade de Rosario.

Neste ano, houve uma invasão de brasileiros na instituição. Foram cerca de 700 matriculados em medicina. Até 2015, a média era de 300.

Na Argentina, a ausência do vestibular permite um grande número de ingressantes. As provas universitárias, no entanto, costumam ter um grau de dificuldade elevado e acabam eliminado os estudantes no decorrer dos anos. Na UBA (Universidade de Buenos Aires), o primeiro ano é bastante pesado, mas, na Universidade de Rosario, mais tranquilo –e os brasileiros descobriram isso.

A falta do processo seletivo no ensino público, que é gratuito, já vinha atraindo há alguns anos brasileiros que não podem pagar uma faculdade ou que não conseguem passar no vestibular.

Chegando à Argentina, porém, há dificuldades de adaptação e preconceito, contam os estudantes. Segundo Gustavo Richard Ferreira, 25, aluno da UBA, a resistência aos estrangeiros é maior na sociedade em geral do que dentro da faculdade.

"Na UBA, apenas uma vez uma colega me falou que nós, brasileiros, deveríamos pagar mensalidade. Na rua, acontece mais. Uma mulher já me disse em um tom bem grosseiro que a gente vem para roubar o lugar deles [dos argentinos]."

Localmente, ainda se questiona o fato de os estrangeiros estudarem gratuitamente e depois regressarem a seus países de origem, não dando uma retribuição à sociedade.

A falta de domínio do espanhol também prejudica. "Tenho amigos que não sabiam o idioma muito bem, encontraram um professor extremista na prova oral e acabaram sendo reprovados", diz Matheus Gomes.

O maranhense de 24 anos deverá se formar no ano que vem e conta que cerca de 70% dos brasileiros com quem estudou desistiram da faculdade devido às dificuldades de adaptação.

Lany Matarazzo, 22, acrescenta que o alto custo de vida na Argentina também ajuda a afugentar os brasileiros. "Alguns abandonam a medicina de vez, outros vão estudar no Paraguai."

Ele cursa a Universidade Aberta Interamericana, particular e com mensalidade ao redor de R$ 1.300, e diz também ter testemunhado casos de preconceito. "Os professores são menos atenciosos com brasileiros."

Alguns forasteiros, porém, afirmam que às vezes os docentes é que não são entendidos. "Em uma prova oral, a professora mandou uma amiga minha escrever a resposta, pois não entendia nada do que ela falava. Minha amiga tomou como preconceito", diz Gabriela Dorigon Tagliatelli, 22, que está no segundo ano da UBA.

O decano da faculdade de medicina de Rosario, Ricardo Nidd, admite já ter ouvido queixas de que os impostos pagos pelos argentinos sustentam a educação dos estrangeiros, mas destaca que o sistema tributário do país tarifa sobretudo o consumo, o que torna os estudantes brasileiros contribuintes.

Ele acrescenta que a xenofobia é um fenômeno planetário e que a universidade trabalha para reduzi-los.

"Os brasileiros vêm para cá porque o modelo de ingresso nas universidades do país deles é restritivo. Eles vivem em um exílio educativo e são muito bem-vindos aqui."


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