Folha de S. Paulo


Antipetista, ministro da Educação estudou em escola de esquerda

Ao enfrentar a reação de servidores do então recém-extinto Ministério da Cultura, que o vaiaram e o chamaram de golpista quando ele foi se apresentar no último dia 13, o novo ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), evocou uma memória remota para amaciar o grupo.

"Tenho uma formação política numa escola da diversidade. Estudei na escola privada mais radical de esquerda do Recife, a Escola Parque, cujos fundadores foram fundadores do PT", disse, numa retórica conciliatória e pontuada por tiradas quebra-gelo, como a de que liberais, como ele, não comem fígado humano. Ao fim da fala, parte do auditório o aplaudiu –outra parte insistiu nas hostilidades.

Pedro Ladeira.10.fev.2015/Folhapress
Líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho segura boneco do personagem Pinóquio, com a sigla PT colada no peito
Deputado Mendonça Filho segura boneco do personagem Pinóquio, com a sigla PT colada no peito

Político de centro-direita e um dos porta-vozes mais ruidosos do antipetismo no Congresso, o ex-líder do DEM na Câmara estudou por sete anos (da então quinta série, atual sexto ano, até prestar o vestibular para administração) num ambiente de ideias opostas às de sua formação caseira.

Filho de José Mendonça Bezerra (1936-2011), político que foi da Arena, partido de sustentação à ditadura, e depois das siglas que a sucederam –PDS, PFL e DEM–, Mendonça Filho, 49, encontrou na Escola Parque do Recife um clima de efervescência crítica, na contramão do regime que naquele apagar dos anos 70 começava a se desminliguir.

O ministro carregou nas tintas ao falar em radicalismo, mas é fato que três fundadoras do colégio em 1978 –Myrtha Carvalho, Malba Magalhães e Maria Adozinda Costa, esta última morta em 2007–, todas citadas por Mendonça no discurso no MinC, eram mulheres de esquerda.

Adozinda, a Dosa, era prima-irmã de Paulo Freire, o educador brasileiro mais reconhecido no mundo e cuja pedagogia de formar alunos com consciência crítica norteou a trajetória da Escola Parque. Foi presa e torturada na ditadura.

Myrtha e Malba ajudaram a fundar o PT no Recife e são até hoje filiadas ao partido. Myrtha, professora de português dos 17 aos 70 anos, e Malba, que leciona matemática, continuam à frente da escola.

Arquivo Pessoal
Mendonça Filho (sentado, no centro) em passeio com colegas de sua turma na Escola Parque do Recife, nos anos 1980
Mendonça Filho (sentado, no centro) em passeio com colegas de sua turma na escola, nos anos 1980

Nos seus primeiros anos, a Escola Parque do Recife funcionou num casarão à beira-mar na praia de Boa Viagem, zona sul da capital pernambucana –mais tarde se mudou para uma locação menos idílica a poucos quilômetros de distância, no bairro de Piedade, Jaboatão dos Guararapes, município vizinho.

Não se exigia uniforme, havia tolerância com a frequência (alguns alunos pulavam o muro para surfar e voltavam, zanzando sem camisa pela escola), estimulava-se o debate. Tal abertura não turvava um ensino de excelência. Não raro a escola emplacava alunos entre os primeiros dos vestibulares.

"Sou, e coloco no meu currículo como uma coisa top, fundador da Escola Parque do Recife [entrou na primeira turma]", disse Mendonça à Folha. Lá, ele era conhecido como Mendoncinha, como muitos ainda o tratam.

Foi, segundo relato de colegas e professores –e conforme a memória deste repórter, que frequentou a mesma escola, em turmas mais novas–, um aluno discreto e esforçado, mas mediano.

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AGRESTE

Mendonça é o segundo de seis filhos de um casal oriundo de Belo Jardim, no agreste pernambucano. Seus cinco irmãos também estudaram na Escola Parque. Ele conta que foi a mãe, Estefânia, de cabeça mais aberta que o pai, a responsável por matriculá-los num reduto prafrentex da classe média alta da capital.

Parte porque a família era amiga, do interior, da família de uma das fundadores (Dosa); parte porque, narra Mendonça, a mãe "sempre foi muito adiante do seu tempo". Os filhos acabaram gostando, mas não foi uma operação de todo harmônica.

As divergências de visão política fizeram com que várias vezes a mãe reclamasse à direção do que se passava em sala de aula. "Ela questionava o fato de professores emitirem opiniões políticas. Mas nunca ameaçou tirar os filhos da escola", relata Myrtha Carvalho.

Mendonça diz que a experiência "plural e diversificada" da Escola Parque foi crucial para ele ter virado político. Alavancado pelo pai, elegeu-se deputado estadual aos 20 anos.

Foi ainda secretário de Agricultura do governo Joaquim Francisco (1991-1995), deputado federal (autor da emenda da reeleição em 1997), duas vezes vice-governador de Pernambuco (1999-2002 e 2002-2006) e, quando o governador Jarbas Vasconcelos se licenciou para concorrer ao Senado, ocupou o cargo por nove meses em 2006. Neste mesmo ano, foi derrotado por Eduardo Campos na disputa pelo governo do Estado. Voltaria a se eleger deputado federal em 2010.

"A abertura, a democracia de convivência com contrários da Escola Parque, de tentar convencer e ser convencido, foram fundamentais para mim", diz o hoje ministro, que faz parte de um grupo de WhatsApp chamado Escola Parque 78 (ano da fundação).

Ana Hounie/Arquivo pessoal
Fachada da Escola Parque do Recife, na praia de Boa Viagem, em foto de 1988 crédito: Ana Hounie/Arquivo pessoal
Fachada da Escola Parque do Recife, na praia de Boa Viagem, em foto de 1988

Críticas do processo que levou Temer e Mendonça ao poder ("um golpe parlamentar com o apoio da mídia, que não cumpriu seu papel de contraditório", diz Myrtha), as diretoras da escola são cautelosas ao comentar como o ex-aluno pode se sair na Esplanada.

"É jovem e tem todas as condições de levar muito a sério o trabalho, como sempre fez. Mas vai depender da capacidade dele de escolher as pessoas certas, que conheçam os mecanismos do Ministério da Educação, uma instituição gigante", diz Myrtha. "Se ele lembrar dos professores que teve, preocupados em incluir, em trabalhar as diferenças, é provável que dê continuidade ao bom trabalho que vinha sendo feito por Mercadante", ela acrescenta.

Malba lembra do aluno para falar do ministro. "Era um menino sério, dedicado. Tinha objetivos e os cumpria. Eu não tinha a menor expectativa de que chegasse tão longe, porque era muito quieto." "É um desafio muito grande. Mas ele tem uma qualidade, ele sabe ouvir, não se arvora a ser o sabe-tudo."

POLÍTICA DE EDUCAÇÃO

Se Mendonça já negou que vá mexer nos programas mais vistosos das gestões petistas na educação, como Prouni e Fies, os primeiros movimentos do ministro da Educação do governo interino indicam ser ilusório o desejo de continuidade exposto por Myrtha.

Duas das principais auxiliares nomeadas por Mendonça são profissionais ligadas ao PSDB: a secretária-executiva, Maria Helena Guimarães de Castro, e a presidente do Inep, Maria Inês Fini.

Para a Secretaria de Regulação e Supervisão do Ensino Superior, o ministro escolheu o economista Maurício Costa Romão. Romão tem ligações com o Ser Educacional, um dos maiores grupos privados de educação superior do país. Ele foi professor e integrou o Conselho Científico do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau, que faz parte do grupo. Segundo o MEC, Romão se desligou do Ser em fevereiro –em texto no site do instituto em 5 de maio, ele ainda aparecia como consultor.

O fundador e sócio-majoritário do grupo Ser, Janguiê Diniz, preside a Abmes (Associação Brasileiras de Mantenedoras do Ensino Superior), que representa o setor privado de ensino superior. A pasta que Romão assume tem entre suas atribuições regular o ensino superior público e privado, o que inclui definir sobre expansão de vagas e processos para desativação de cursos.

Outro aspecto com potencial de controvérsia na nova gestão é o da política de cotas nas universidades. O DEM, partido de Mendonça, já entrou com ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra as cotas raciais, mas foi derrotado.

Mendonça diz que é contra as cotas raciais, mas defende cotas sociais. "A ênfase do partido era na cota social em relação à cota racial, que aí está praticamente incluída, pois a maior parte da população é negra. O que defendemos é a cota social, para que os brancos pobres também possam ter acesso à universidade."


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