Folha de S. Paulo


Com nova lista de livros, literatura na Fuvest deve ser mais difícil; veja dicas

Com a mudança de quase metade dos livros obrigatórios no processo seletivo da Fuvest, candidatos devem esperar questões mais difíceis.

"É importante saber que houve uma subida no grau da dificuldade, o que torna a leitura integral mais relevante, porque pode ser um diferencial importante", diz Eduardo Calbucci, coordenador de português do Anglo.

Para piorar, poucos vestibulandos conseguem conciliar a leitura das nove obras com o resto dos estudos.

É o caso de Eduarda Belarmino Fonseca, 17, que pretende cursar ciências biológicas. "São muitos livros. Não vou dar conta de ler tudo." Aluna do 3° ano do ensino médio, ela tem de mesclar a preparação para o vestibular com a rotina escolar. Por isso, busca na rede resumos e vídeos sobre os títulos, mas atenta à qualidade do conteúdo.

"Vi no Youtube uma peça de 'O Cortiço' e era meio ruim, não tinha muitos detalhes. Tem também uns resumos na internet que não são muito bons", diz ela, que diz buscar análises mais completas.

A professora de literatura do Poliedro Rosana Sol aprova a tática. "A melhor coisa [para quem não leu] é assistir à aula do professor e tentar absorver ao máximo a explicação. Depois, tentar encontrar um resumo detalhado, com análise da obra."

Mais que o enredo dos livros em si, é importante compreender o contexto e a escola literária à qual pertence. "Enredo é trivial. O essencial é entender por que a história é contada daquele jeito", diz Heric Palos, coordenador de português do Etapa.

Nelson Dutra, coordenador de literatura do cursinho do Objetivo, concorda: "Às vezes, a questão é até fácil, mas para chegar à resposta tem que entender as metáforas, os mecanismos de linguagem, o jogo de sentido".

Para 2017, quatro livros foram trocados pela Fuvest, instituição responsável por preparar o vestibular da USP. Saíram "Memórias de um Sargento de Milícias" (Manuel Antônio de Almeida), "Til" (José de Alencar), "Viagens na Minha Terra" (Almeida Garrett) e "Sentimento do Mundo" (Carlos Drummond de Andrade). Entraram "Iracema"(José de Alencar), "Claro Enigma" (Carlos Drummond de Andrade), "Mayombe" (Pepetela) e "Sagarana" (João Guimarães Rosa).

A mudança prioriza o século 20, já que a lista perdeu três títulos do período romântico, escritos no século 19, e ganhou três modernos. "A lista ficou mais jovem, houve valorização da literatura modernista e da literatura que podemos chamar de contemporânea", diz Calbucci, referindo-se, nesse último caso, ao romance "Mayombe", do angolano Pepetela, de 1980.

"A dificuldade aumentou porque há três inventores de linguagem: Drummond, Guimarães Rosa e José de Alencar", diz Dutra. Drummond já estava na lista anterior, mas com uma obra mais didática e fácil de ser compreendida, de acordo com a professora do Poliedro.

"'Claro Enigma' traz mais dificuldade que 'Sentimento do Mundo'. É uma outra faceta do autor", avalia. Ela dá ainda uma dica específica: "'Capitães da Areia' caiu em 2016, nas duas fases do vestibular. Tem tudo pra não ter tanta demanda em 2017, o que não significa que não pode aparecer relacionado com alguma outra obra".

Dutra, do Objetivo, acredita que a primeira fase do exame vai explorar comparações entre as obras e que a segunda apresentará questões mais diretas sobre cada uma delas.

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A NOVA LISTA DA FUVEST
Veja análise das obras feita pelo professor do Poliedro, João Machado

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Reprodução
O ator Reginaldo Faria no filme
O ator Reginaldo Faria no filme "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de 2001, do diretor André Klotzel

Memórias Póstumas de Brás Cubas, transcende a narrativa tradicional ao fazer com que o relato seja feito por um falecido. Do além são resgatadas suas histórias e, não apenas isso, há uma revisão crítica da existência humana, sem ressentimentos ou mea culpa, tanto a partir da experiência do protagonista quanto dos demais personagens ligados a ele. O caráter humano, no que tem de melhor e pior, transparece e torna universal a obra de Machado de Assis.

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A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, coloca em choque visões aparentemente antagônicas segundo as quais há a cidade e toda a modernidade nela expressa; do outro, as serras e a ruralidade do interior, onde imperam as tradições e a vida morna, calma, sem grandes inovações. A "Suma Felicidade", sustentada pela ciência e pela potência humana, almejada por um dos protagonistas, parece o destino dos homens enquanto a vida rural lhe parece o desterro e o ocaso. Será?

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Divulgação
Cena do filme
Cena do filme "Capitães da Areia", de 2009, de Cecília Amado

Capitães da Areia, traz em seu âmago a crítica social a uma estrutura que marginaliza as pessoas conforme suas origens, atribuições e condição econômica. A narrativa está em consonância com a perspectiva socialista do autor, Jorge Amado, na época. O contexto desta crítica é a condição nefasta na qual vivem os meninos de rua, chamados de "Capitães da Areia", que vivem pelas ruas a praticar delitos que lhes garantem a sobrevivência e a sofrer perseguições por conta disso.

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Claro enigma é composto por 41 poemas que marcam a transição da obra de Carlos Drummond de Andrade. O texto marcado pelo engajamento social anteriormente percebido dá lugar a um certo desencanto e desilusão, a uma busca de respostas no cerne do próprio ser. Os versos também se renovam quanto a estética, cedendo lugar a uma retórica mais clássica e formal, deixando de lado o coloquial e se compondo num viés mais filosófico e clássico.

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O Cortiço, de Aluísio Azevedo, nos coloca no entorno das habitações insalubres do Rio de Janeiro no início do século XX. Esta insalubridade está presente no espaço e afeta a alma das pessoas, em especial do locatário dos casebres e de seu vizinho rico que deseja o terreno onde fica o cortiço. Vivem-se os dramas, mas há espaço também para a alegria e a esperança. A trama é alimentada por embates em que a ambição, as traições e a inveja são componentes marcantes.

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Divulgação
Cena do filme
Cena do filme "Iracema, a Virgem dos Lábios de Mel", de 1979, dirigido por Carlos Coimbra

Iracema é uma idílica e romântica narrativa que faz parte de um conjunto de obras indigenistas de José de Alencar. Relata a história de amor entre uma índia e um português por ela alvejado duplamente, tanto pela lança do medo e desconfiança quanto pela seta do amor a unir diferentes mundos. A obra subverte os padrões dos folhetins de época ao trazer para o primeiro plano o nativo e traduzir sua existência, aproximando-os dos leitores e de sua realidade cultural.

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Mayombe, título da obra de Pepetela, refere-se a uma região montanhosa que se espalha por diferentes países africanos, entre os quais Angola, terra natal do autor do livro. O título, de certa forma, retrata a diversidade étnica e tribal dos guerrilheiros unidos em prol de um objetivo maior a luta revolucionária. Narrativa de cunho histórico, é também uma crítica aos erros cometidos pelos movimentos libertários como o machismo, a corrupção e o racismo.

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Sagarana é uma obra composta por contos que dentro de uma esfera regional, no âmbito das Minas Gerais, trabalha em cada história temas de interesse universal sem deixar de abrir espaço e consolidar imagens claras em relação ao Brasil. O caráter humano desta produção de Guimarães Rosa transparece nas paixões, inveja, raiva, amor, superação, insegurança e valentia de protagonistas como Augusto Matraca, Manuel Fulô e o burrinho pedrês, entre outros.

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Reprodução
Cena do longa
Cena do longa "Vidas Secas", de 1963, de Nelson Pereira dos Santos

Vidas Secas, de Graciliano Ramos denuncia de forma realista a saga das pessoas afetadas pelo drama da seca, das famílias marcadas a ferro e fogo pelo estio, pelo alimento que lhes falta e, como consequência, por marginalização social. O trabalhador rural é retratado em branco em preto, num retrato cru e amargo de uma condição de infelicidade, dor e abandono ao qual são relegados aqueles que tentam resistir a seca e também aos que deixam sua terra e migram.


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