Folha de S. Paulo


Para pesquisadores, ensino técnico no país é muito 'acadêmico'

O diagnóstico feito por especialistas em educação sobre o ensino técnico existente no país preocupa.

Para eles, a formação dada aos jovens é desconectada da realidade da indústria e, quando oferecida junto ao ensino médio, forma jovens para entrar na universidade —e não para o trabalho profissional em nível técnico.

O modelo brasileiro é uma importação adaptada de países europeus. "Mas é uma jabuticaba", diz o sociólogo Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade.

Hoje, a formação técnica no Brasil —por exemplo em gastronomia, moda ou tecnologia da informação— funciona como algo "adicional" ao ensino médio tradicional.

Pode ser feito depois que o indivíduo se forma na escola ou ao mesmo tempo —nesse caso, em duas escolas diferentes ou no chamado "ensino médio integrado".

Neste caso, os conteúdos das formações média e técnica são oferecidos em uma mesma escola de período integral. É o modelo adotado, por exemplo, pelo Centro Paula Souza, em São Paulo, que teve sua sede ocupada por alunos na última semana.

Na prática, muitas pessoas decidem fazer a formação técnica quando estão na idade adulta, explica Schwartzman.

"E os jovens que fazem o ensino médio integrado ao técnico acabam indo para a universidade", diz.

Isso ocorre porque quem pretende cursar boas universidades tende a procurar escolas técnicas integrais, que costumam ter melhor infraestrutura e bons professores.

Na Unicamp, por exemplo, um em cada cinco alunos que ingressaram neste ano vieram de escolas de ensino médio técnico.

MODELO ALEMÃO
Apesar de inspirado na proposta europeia, o modelo é bem diferente do adotado por países como a Alemanha.

No projeto alemão, os alunos ingressam no ensino médio separados entre aqueles que vão se preparar para entrar na universidade e os que terão formação técnica.

A separação precoce dos alunos é alvo de críticas e tem sido discutida na Alemanha, de acordo Remi Castioni, da Faculdade de Educação da UnB (Universidade de Brasília). Mesmo assim, vários países tentam copiar, sem sucesso, a experiência alemã.

Para os que seguem no ensino médio profissionalizante na Alemanha, diz Castioni, a formação é próxima da indústria —algo que não ocorre no Brasil. Lá, os alunos passam um ciclo na escola e outro nas empresas.

"Aqui, a formação técnica é mais acadêmica e desconectada do setor privado", diz.

O modelo alemão, por sua vez, é bem diferente do adotado nos Estados Unidos, que também faz sucesso entre especialistas em educação.

Todos os alunos americanos frequentam um ensino médio acadêmico e com período integral.

A diferença é que as escolas oferecem algumas disciplinas técnico-vocacionais obrigatórias ou que podem ser escolhidas pelos alunos.

Depois de terminar a escola, os estudantes escolhem seguir para uma universidade ou fazer uma formação complementar nos chamados "colleges", que oferecem cursos pós-secundários.

De acordo com estudo publicado por Schwartzman em 2014, nove em cada dez alunos que concluíram o ensino médio nos EUA recentemente fizeram pelo menos um curso técnico-vocacional.

Para João Cardoso Palma Filho, professor de Sociedade, Estado e Educação da Unesp (Universidade Estadual Paulista), o principal problema do ensino técnico brasileiro não está no modelo adotado, mas na forma como ele é implementado.

"No Brasil, quem legisla é a União, mas quem implementa são os Estados. Isso causa uma espécie de esquizofrenia", diz. "Não dá para mudar a realidade por lei."


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