Folha de S. Paulo


Em cada 3 escolas técnicas de SP, 1 oferece merenda pouco nutritiva

Oferecida pelo governo Geraldo Alckmin (PSDB) a alunos de um terço das escolas técnicas, a dieta da chamada merenda seca não é saudável, dizem especialistas. Das 219 escolas técnicas do Estado, 75 fornecem essa merenda -15 delas não ofereciam nem esse tipo de alimentação até a semana passada.

O kit contém bebida láctea, combinada com um pacote com cinco bolachas, bolinho ou barra de cereal -uma dieta de cerca de 300 calorias. Nos casos em que os estudantes recebem alguma fruta, o que dizem ser muito raro, soma-se 50 calorias ao total.

A falta de merenda e a reclamação sobre a sua qualidade desencadearam recentes ocupações de escolas técnicas em SP -sete até agora. Os estudantes exigem refeições em todas as unidades, e o governo Alckmin promete atendê-los até 2018.

Uma lei federal de 2009 afirma que todos os alunos do ensino público devem receber alimentação "saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados". Os estudantes dizem que, em escolas com merenda seca, ela é servida pela manhã. Em diferentes casos, o kit é a única refeição para alunos que estudam das 7h até meados da tarde.

Editoria de Arte/Folhapress

A Folha pediu a opinião de cinco especialistas em nutrição sobre a alimentação fornecida aos alunos. Todos reprovaram a merenda seca como opção única.

A pedido da reportagem, o médico nutrólogo Celso Cukier, do Hospital São Luiz, analisou as informações nutricionais desses produtos. "Trata-se de merenda fixa, repetitiva e de baixo valor nutricional em se tratando de refeição única no período", afirma. "Chama atenção a desproporção calórico-proteica."

Comparando com o cardápio das estaduais convencionais, o das técnicas tem mais carboidratos e menos proteínas. Para o médico Carlos Monteiro, do departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, os alunos só poderiam receber esse tipo de refeição se ficassem na aula por um curto período. "Se o aluno fica o dia inteiro na escola, deveria fazer as refeições regulares."

Especialista na alimentação de adolescentes, a nutricionista Camila Leonel, da Unifesp, diz que a alimentação influencia no aprendizado dos alunos. "Tanto a bolachinha quanto a bebida láctea trazem energia, mas não necessariamente os nutrientes para essa idade. Esse tipo de composição não atende as necessidades da faixa etária."

A nutricionista Elaine Martins Bento Mosquera afirma ser importante incluir frutas todos os dias na dieta, respeitando variação e sazonalidade dos alimentos. "Como fonte de carboidrato [no caso de um lanche], ao invés de biscoitos em grande parte dos dias, optar por sanduíches compostos por pães, que em muitos casos possuem um menor teor de sódio e gordura saturada", afirma.

Segundo o médico nutrólogo Edson Credidio, é "no mínimo absurdo" substituir uma alimentação saudável pelo cardápio da merenda seca. Ele ressalta que a quantidade de alimentos deve ser suficiente para cobrir as exigências energéticas do organismo e manter seu balanço energético.

Alunos afirmam já ter até passado mal pelos longos períodos sem alimentação. Na Etec do Jardim Paulistano (zona norte), jovens relataram ter recebido os mesmos tipos de barra de cereal e suco por três meses. Agora, dizem, chegaram outras bolachas e um achocolatado.

O estudante Guilherme Laranjeira, 16, diz que só no ano passado a Etec Horácio Augusto da Silveira (zona norte), começou a oferecer merenda seca. Aluno do 3º ano do ensino médio, em tempo integral, ele leva comida de casa. "Eles entregam só no intervalo da manhã. Esta semana foi bolacha de maizena ou bolinho e um suquinho de banana, que ainda é ruim."

Uma emenda à Constituição em 2009 passou a obrigar o fornecimento de alimentação escolar a todos os alunos da educação básica, o que inclui o ensino médio técnico.

"A reivindicação dos estudantes parte da própria Constituição", diz o coordenador da Campanha Nacional pelo direito à Educação, Daniel Cara. Aluno da Etesp de 1993 a 95, ele conta que, à época, já havia reivindicação por alimentação escolar.

REFEIÇÃO ATÉ 2018

O governo Geraldo Alckmin (PSDB) informou que em 2018 todas as 75 Etecs (escolas técnicas) que hoje oferecem merenda seca passarão a servir refeições. O Centro Paula Souza afirma que, ainda neste ano, dez unidades passarão a oferecer comida no lugar de bolachas.

Em nota, o órgão defendeu que a entrega de merenda seca é "temporária enquanto a rede é reformada para garantir esse direito dos estudantes". Uma comissão foi criada para tratar do assunto.

As unidades construídas nos últimos anos já são adaptadas para guardar e preparar alimentos, de acordo com a instituição. Edifícios tombados e outros sem espaço dificultariam a adequação à lei. A legislação sobre a obrigatoriedade de fornecer alimentação escolar é de 2009.

Todas as 219 Etecs passaram a receber alimentação desde segunda (2), diz o governo. A decisão veio após a ocupação da sede do órgão por estudantes -uma audiência de conciliação acontece nesta quarta (4). Eles querem refeições em todas as unidades ou vale-refeição até as obras ficarem prontas.

Nesta terça (3) pela manhã, a superintendente do Centro Paula Souza, Laura Laganá, falou sobre as reivindicações. "Vamos trabalhar para que os alunos do integrado [cursos técnicos de tempo integral] tenham refeições", disse ela, ressaltando que o órgão tem feito reformas desde 2010 para adequação. "Mas precisamos licitar as obras."

Hoje, 24% dos alunos de Etecs estudam em período integral. O Centro diz que o fornecimento de vales é inviável do ponto de vista legal. O órgão não tem orçamento para merenda e faz a encomenda à Secretaria da Educação. No caso da merenda seca, o cardápio, considerado emergencial pela pasta, é fixo.


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